Compilado Making of de “Reparos”
02 – Argumento, Personagens e Roteiro
03 – Tempo de Produção, Capa e Cor
04 – Viabilização e Formas de Publicação
05 – Por Que Fazer Quadrinhos?
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02 – Argumento, Personagens e Roteiro
03 – Tempo de Produção, Capa e Cor
04 – Viabilização e Formas de Publicação
05 – Por Que Fazer Quadrinhos?
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Ricardo: Boa tarde, boa noite, bom dia! Eu sou Ricardo Alexandre e esse é o último… Ah… É o programa sobre o álbum “Reparos“, terceiro trabalho do Brão Barbosa no mundo alvissareiro dos quadrinhos e você pode comprar o seu livro no braobarbosa.com/reparos.
Brão Barbosa, tudo bem com você? Passou bem da semana passada pra essa?
Brão: Tudo bem, Ricardo. Tamo aí!
Ricardo: Paulinho Degaspari sempre presente aqui, abrilhantando com sua participação.
Paulinho: Tamo aí também.
Ricardo: Hoje a gente vai falar sobre “por que fazer quadrinhos?”, né? É uma grande pergunta, afinal estamos com um quadrinista lançando sua obra aqui com a gente.
Paulinho: Nada melhor do que falar sobre quadrinhos.
Ricardo: Não é? Minha pergunta é o seguinte: o que te levou para os quadrinhos, Brão Barbosa?
Brão: Eu desconhecia a publicação de quadrinhos com temáticas mais adultas. E eu fui descobrir isso na faculdade de design. Eu tive a grande oportunidade de ter como professor o João Marcos, que a gente já ouviu em alguns episódios anteriores. Porque na minha infância eu li Turma da Mônica, li Disney… Muito influenciado pelo meu avô, também. Eu pulei a parte dos super-heróis. É algo que não me atrai muito. E aí, quando eu estava na faculdade, o João apresentou para minha turma alguns quadrinhos com temáticas mais de cotidiano, mais adulto, e eu achei muito interessante. Aquilo me abriu um novo horizonte.
Ricardo: Você lembra de quais eram?
Brão: Era um dos quadrinhos do Gabriel Bá e do Fábio Moon. O primeiro que eu li, eu acredito que tenha sido o “Mesa Para Dois“. E eu vi ali um quadrinho, que a princípio despretensioso, mas que mesmo assim contava uma história muito legal, que não necessariamente precisava daquela purpurina toda que tem nos super-heróis. E calhou também que a minha disciplina com o João foi em 2009, ano de FIQ, nós ali perto de Belo Horizonte fomos pra lá e aquilo me encantou. E aí eu já comecei a acompanhar o trabalho de vários outros quadrinistas e contar histórias foi algo que sempre me interessou.
Ricardo: Então quer dizer… Muito interessante que a tua fagulha inicial no mundo dos quadrinhos foram os quadrinhos independentes brasileiros.
Brão: Exatamente.
Ricardo: Muito legal.
Brão: E aí, minha família no interior de Minas, sempre com o “causo” muito presente… Eu sempre gostei de contar histórias de uma forma ou de outra e sempre gostei de desenhar também. E aí quadrinhos para alinhar essas duas vontades.
Paulinho: Aí você descobriu quadrinhos, resolveu fazer quadrinhos, e descobriu que era muito trabalhoso.
Brão: E põe trabalho…
Ricardo: Não, porque tem gente que acha que o tempo que o cara demora para escrever, é o tempo que demora para ler, né? (risos)
Brão: É, exatamente! (risos)
Paulinho: Como tudo o que a gente faz que envolve arte, né? Copiar é diferente de criar. Então você gastou todo o processo a gente já viu no programa anterior, que a gente falou sobre o tempo que você gastou. Quase mil horas de processo total. Sabendo que dá todo esse trabalho, sabendo que o retorno financeiro não é…
Ricardo: Não é “lá essas coisas”… Digamos assim… (risos)
Paulinho: Não é o que vai te levar para dar a volta ao mundo… (risos)
Ricardo: Não vai. (risos)
Paulinho: Por que ainda fazer quadrinhos no Brasil, na realidade em que a gente vive?
Brão: Cara, eu gosto muito da fala do Kako, que o ilustrador, ele não tem um dom. Ele tem uma maldição. Porque ele não consegue parar.
Kako: Se você gosta de andar de bicicleta, você fica obsessivo em andar de bicicleta. Se você gosta de desenhar, você vai ficar obsessivo em desenhar. O que saiu escrito na entrevista, saiu meio “você está amaldiçoado para sempre a desenhar para o resto da vida”. Mas acontece. E muita gente se identificou, todo mundo no começo sabe desenhar, mas tem gente, como nós, que vai levando até adulto. Essa coisa de dom existe, mas não é só dom. Tem o quanto você aguenta, o quanto você se dedica, o quanto você sua para continuar com essa obsessão de desenho que vem desde criança.
Brão: E esse paralelo com quadrinhos eu acho que é verdadeiro também. É algo que está na nossa essência. Está na nossa essência como humanos de passar histórias para frente, e de criar, de fantasiar. E como você mesmo lembrou, quando eu terminei o “Feliz Aniversário“, falei que provavelmente seria o último. Agora também estou bem exausto depois de “Reparos“. Mas cara, é muito reconfortante e muito gratificante terminar um projeto desse. É muito gratificante terminar uma história. E quando você percebe que a sua história está passando pelas mãos de outras pessoas, é um sentimento indescritível, e que você não consegue de outra forma. E pra mim, os quadrinhos funcionam perfeitamente com isso aí. Conseguem alinhar as minhas pretensões, como contador de histórias. É a plataforma em que eu mais me sinto à vontade em produção.
Ricardo: Isso aí tem até um pouco a ver até com quem já liderou redações. Eu sempre que entrevistava jovens candidatos a repórteres, ou jornalistas, eu sempre perguntava “me mostra os teus textos?” e ele dizia “ah, não. Mas é que eu tô começando agora. Eu nunca tive um trabalho, nunca tive um emprego”. E eu falava “cara, mas se você precisa de um emprego para se manifestar, para transmitir para os outros aquilo que você tem dentro de você, talvez não seja a tua vocação, né?”. É como você falou, né? É uma maldição na verdade. O cara escreve porque precisa. Ou ele desenha porque precisa. De outra maneira ele seria uma pessoa incompleta.
Brão: Exatamente. E pra aspirantes a quadrinhos, cara, o conselho que a gente dá é: “não conhece. Porque se começar dificilmente vai conseguir parar. (risos)
André Diniz: Nossa, não faço a menor ideia.
Brão em off: André Diniz.
André Diniz: Não foi uma escolha no começo, continua não sendo uma escolha hoje. Eu simplesmente tenho que fazer, senão eu enlouqueço. O principal do “fazer quadrinho” pra mim é mesmo contar histórias. Tanto que eu nunca fui ali pra ilustração. O desenho pra mim é o caminho para se contar histórias. E aí eu acho que fico no quadrinho e não vou, por exemplo, pra fazer roteiro de cinema, ou acabo não indo ali por outros caminhos por essa coisa intimista do quadrinho. Você fazer ali no seu cantinho… Eu sou uma pessoa muito introspectiva…
Cris Eiko: Porque eu fiz voto de pobreza. (risos)
Brão em off: Cris Eiko.
Cris Eiko: Eu não consigo me ver fazendo mais nada. É o que eu sei fazer.
Ana Luiza Koehler: É uma compulsão. (risos)
Brão em off: Ana Luiza Koehler.
Ana Luiza Koehler: desenhar e contar história é uma coisa que é uma compulsão, que eu estaria fazendo de qualquer jeito. Nós como seres humanos nós temos necessidade de contar histórias, de produzir arte, né? De produzir cultura. A gente precisa, né? (risos)
Davi Calil: Eu decidi fazer quadrinho num ponto que eu criei coragem de começar a escrever as minhas ideias.
Brão em off: Davi Calil.
Davi Calil: E eu sempre tive muita ideia, mas eu não me sentia capaz de materializá-las. A ideia, quando está na sua cabeça, ela parece linda. Ela é genial às vezes. E daí você tenta contar pra alguém ou você começa a por ela no papel e fica uma porcaria. Às vezes eu fico com ela na cabeça por um tempão, e daí, quando eu tenho materializá-la, ela nunca tinha nem metade da força que parecia ter na minha cabeça. Quando eu comecei a conseguir escrever um pouquinho melhor as minhas ideias, transformar em palavras mesmo e reler, e lapidar aquela primeira versão, eu percebi que era um processo parecido com o desenho. Você pode fazer um esboço mais tosco e ir refinando até ele ficar melhor… E a ideia também é assim. Porque antes eu achava que a ideia tinha que ser algo meio genial. Que ou ela saía linda, ou ela era uma bosta. Depois eu vi que não. É da mesma forma que o desenho. Você começa com o esboço da sua ideia e depois vai relendo, refletindo. Então o que eu queria era materializar minhas ideias. Eu percebi que como quadrinista, eu tinha uma mídia na mão que ela possibilita que eu materialize a minha ideia e ela vira um produto finalizado, e eu posso competir de igual pra igual com uma grande editora. Agora, você vai fazer animação, cinema, teatro… Todas as outras mídias, se você não tem uma equipe e muita grana, você vai fazer um trabalho que, pela falta de equipe ou grana, vai ficar aquém.
Edu Medeiros: Eu gosto muito de desenhar, mas eu gosto de dar um sentido para a coisa.
Brão em off: Edu Medeiros.
Edu Medeiros: E contar uma história é uma parada que me agrada muito. Quadrinho é uma parada que tu pode fazer sozinho, tu decide as paradas ali e isso me agrada pra caralho.
Eduardo Damasceno: Porque eu não sei fazer mais nada! (risos)
Brão em off: Eduardo Damasceno.
Eduardo Damasceno: A gente tem umas fases ruins, né? De realmente se perguntar isso e essa pergunta vir de um lugar muito ruim de dentro da gente. De um lugar de insegurança, e de depressão mesmo. Principalmente quando a gente está produzindo. Nesses meses de produção, acho que a gente vai muito fundo no pior que tem na gente. Porque enquanto eu estou fazendo é muito triste, muito triste. Eu acho horrível. Porque eu não quero falar isso para as pessoas. Eu não sou essa pessoa que tá nesse lugar. É só porque enquanto eu estou produzindo é muito frustrante. A gente fica pensando só no tanto que aquilo não dá retorno e “por que que eu estou tendo esse trabalho todo?”, e se vai valer a pena… Então aí você entrega e vê que vale a pena, e já dá vontade de fazer o próximo.
E eu faço quadrinho por isso. Porque desenho é um negócio muito importante para mim, e desenho e quadrinhos são jeitos que pra mim, funcionam muito bem para entender o mundo, e pra conversar com o mundo. Me comunicar através de desenho e através de quadrinho é o que eu faço melhor. É como eu posso atuar melhor no mundo, como eu posso funcionar melhor com as outras pessoas. Então eu vou tentando por aí.
Gustavo Borges: Porque eu tenho o controle absoluto do mundo.
Brão em off: Gustavo Borges.
Gustavo Borges: Eu não preciso ficar dependendo de outras pessoas para o meu trabalho saia.
Julia Bax: Quadrinhos junta duas coisas que eu gosto muito.
Brão em off: Julia Bax.
Julia Bax: Uma é contar histórias e poder contar histórias de fantasia e desenhar. Junta essas duas coisas e junta essas duas coisas de uma maneira autônoma. Não tem cineasta autônomo. Não tem cineasta que fica na casa dele e faz um filme, né? Você depende de outras pessoas. Você depende de uma equipe. Assim como a animação também. É complicado você fazer uma história do tamanho do “Nina & Tomas” em animação sozinho. Você pode fazer uma história, como se fosse a história de um filme, com o budget que você quiser, de maneira autônoma, sem depender de ninguém, só com o suor do seu rosto.
Lillo Parra: Porque é divertido pra caralho!
Brão em off: Lillo Parra.
Lillo Parra: Meu primeiro sonho de infância foi ser quadrinista. A vida me provou que eu sou um péssimo desenhista. Mas eu sei escrever. É a maneira que eu mais me divirto. Depois de velho, com quarenta e tantos anos, que eu fui falar assim: “cara, que vou fazer quadrinhos”.
Marcelo Maiolo: Desde que eu me entendo por gente eu sempre quis fazer isso.
Brão em off: Marcelo Maiolo.
Marcelo Maiolo: E na hora que eu tive a oportunidade de fazer isso, eu abri mão de qualquer outra coisa e caí de cabeça! É a paixão mesmo que eu sempre tive desde que eu era moleque.
Priscila Tramontano: Olha, às vezes eu me pergunto isso.
Brão em off: Priscila Tramontano.
Priscila Tramontano: Porque é uma coisa que eu realmente gosto. É meu hobby. Mesmo quando estou lá, no Natal, minha família ceiando na sala, e eu estou trabalhando, eu estou completamente feliz. Porque é uma coisa que eu gosto de fazer. É cansativo mas é muito gratificante.
Vitor Cafaggi: Eu faço quadrinhos para retribuir o que os quadrinhos já fizeram por mim.
Brão em off: Vitor Cafaggi.
Vitor Cafaggi: Desde pequeno eu sempre li muito quadrinhos então isso foi muito importante na minha formação mesmo. Os quadrinhos sempre me deram força na hora que eu precisava, sempre foram meus companheiros, sempre me mostravam que eu podia ser quem eu era. Sempre mostraram que se eu tentasse mais eu ia conseguir aquilo que eu queria. Várias lições que eu tive, vários valores que eu aprendi foram com os quadrinhos. E hoje eu tento fazer quadrinhos para que essas histórias que eu faço, tenham importância para outras pessoas igual as histórias que eu li quando era criança tiveram pra mim.
Samanta Flôor: Porque a gente é masoquista? Não sei…
Brão em off: Samanta Flôor.
Samanta Flôor: É difícil, é trabalhoso, não tem retorno financeiro nenhum, mas a gente se diverte fazendo!
Zé Wellington: Nos meus dois últimos álbuns eu falei muito sobre coisas que eu acredito.
Brão em off: Zé Wellington.
Zé Wellington: Sobre ideologias políticas. Tudo isso estava muito presente em “Quem Matou João Ninguém?“, que era um álbum que falava sobre uma comunidade pobre. Como as pessoas imaginam justiça nessa comunidade. E em “Steampunk Ladies” não foi diferente. Resolvi falar sobre representatividade feminina sendo o homem, que é muito difícil.
Eu não sou muito o cara de ir em uma manifestação, não sou muito cara de uma discussão acalorada. Sou muito tímido e muito na minha, né? Então assim, quando eu quero defender um ponto de vista, quando eu quero falar sobre outra coisa que eu acredito, eu normalmente uso a arte pra isso. E é muito forte, é muito maior do que eu. Não consigo segurar isso dentro de mim.
Raphael Fernandes: Porque eu não consigo viver sem quadrinhos.
Brão em off: Raphael Fernandes.
Raphael Fernandes: Eu posso contar histórias de uma maneira complexa, e que eu não preciso estar presente. Então eu conto a história e alguém pode ler ela daqui a 20 anos e ser tocado por ela, ou ficar com raiva dela, ou ser provocado por ela. Essa imortalidade através da arte sempre me interessou. Eu sempre quis escrever por causa disso. Eu faço quadrinhos para tentar deixar um pouco das minhas ideias, ou das minhas provocações para as pessoas.
E para tirar os demônios de dentro de mim, claro, né?! Porque quem escreve, quem é criativo, tem um demônio lá que fica o tempo todo inventando coisas falando: “produza, produza, produza!”
Paulinho: Não esqueça de compartilhar esse programa com seus amigos que gostam de quadrinhos também. Isso é legal para conhecerem o trabalho, ouvir os depoimentos de tantas pessoas que participaram aqui durante esses programas.
Ricardo: É verdade! As quais, a gente agradece bastante também. Coisas muito interessantes e muito inteligentes foram ditas aqui.
Brão: Muito obrigado a você que chegou até aqui. Como a gente vem falando em todos os programas, acesse braobarbosa.com/reparos, que você vai ter acesso à edição física, à edição digital e todo o material complementar a esse projeto que eu fiz com tanto carinho.
Muito obrigado e até mais!
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Ricardo: Bem amigos, eu sou o Ricardo Alexandre e esse é o quarto episódio da série de cinco episódios a respeito do álbum “Reparos“, o terceiro álbum em quadrinhos do Brão Barbosa. Brão Barbosa, tudo bem com o senhor?
Brão: Tudo bem.
Ricardo: É sempre uma alegria muito grande estar aqui com você Brão Barbosa está à direita do seu vídeo. A esquerda está Paulinho Degaspari.
Paulinho: Olá, sou eu.
Ricardo: Muito bem, aqui a gente vai falar sobre os bastidores da produção dessa grande obra em quadrinhos que as pessoas podem comprar como mesmo, Brão Barbosa?
Brão: braobarbosa.com/reparos
Ricardo: Muito bem e tem ali no site as informações sobre a HQ que você pode comprar a edição física que você vai receber autografado ou a edição digital para as pessoas poderem se deleitar e conforme já entendeu depois volta e a compra física. Eu queria começar esse programa de uma maneira diferente. A gente já falou que é esse programa que tem todos esses bastidores, o Brão Barbosa abrindo o seu coração sobre como foi a produção de “Reparos“, a gente também tem vários spoilers sobre a história, então a gente recomenda que se você não leu ainda, que volte.
Paulinho: Se você chegou até aqui, você repense a sua vida. (risos)
Ricardo: Que você leia o quadrinho e depois você volta para entender como ele foi feito e a gente também tem vários depoimentos de gente que o Brão entrevistou para entender um pouco a história dos bastidores das experiências de cada um e poder compartilhar com quem curte quadrinhos para quem também eventualmente até produza quadrinhos. Mas tenho uma coisa que eu achei muito legal que Ana Luiza Koehler falou sobre ter uma outra fonte de renda para poder subsidiar. A gente que trabalha com arte, eu trabalho com o jornalismo cultural, a gente já se acostumou a ganhar dinheiro com uma coisa e se realizar pessoalmente com outra coisa. Mas vamos ouvir o que ela faz, pois eu queria conversar um pouco sobre esse assunto.
Ana: Como viabilizar o quadrinho? Eu por exemplo trabalho para o mercado que me paga para eu desenhar. Sempre a gente ter uma fonte de renda fora, assim que não dependa dos quadrinhos em si, né, para poder viabilizar os nossos quadrinhos. É um pouco paradoxal, mas…
Ricardo: Brão, você tem uma identidade secreta como designer. Você trabalha como designer você também faz quadrinhos. Como é que isso é dividido na sua cabeça?
Brão: No trabalho convencional a gente tem certa limitação da nossa expressão artística Então eu procuro focalizar isso tudo nos meus quadrinhos, no meu trabalho autoral. Isso me evita transtornos no meu trabalho, por exemplo. Eu lido muito pouco com esse ego do artista e me dá uma liberdade de focar nesse meu trabalho autoral. Como a Ana Luiza Koehler disse que é muito mais prático você ter essa separação. Então é sempre ter esse porto seguro para você poder ter uma liberdade no seu trabalho autoral pelo menos nessa fase inicial que praticamente estamos todos nós.
Ricardo: Mas isso é uma coisa que é legal falar para quem está começando a trabalhar que muitas vezes tem um sonho de se viabilizar. Eu lembro que há 20 30 anos atrás quem quer viver de quadrinhos tem que fazer Marvel ou DC e hoje aparentemente as perspectivas são menores ainda de viver de quadrinhos como uma espécie de indústria, né? Que conselho você daria para quem está começando e descobrindo quadrinhos e que também está descobrindo seu talento para o “quadrinismo”? Que sugestão você daria pra ele nesse sentido do trabalho da profissionalização como quadrinista?
Brão: O importante é fazer sem medo de errar e começar com histórias curtas como eu comecei com o “Jesus Rocks“, por exemplo, uma história curta uma história rápida que me deu uma percepção totalmente diferente do que tinha antes de começar quadrinhos e você saber que tipo de história você quer contar e quais os mecanismos você tem. Por exemplo se você desenha e não tem a habilidade de escrever. Se você escreve não tem a habilidade de desenhar. Por exemplo o Zé Wellington é um artista que escreve e não desenha e mesmo assim ele conseguiu o artifício para poder viabilizar os projetos que ele tinha.
Zé Wellington: Quando eu comecei a me dar conta que eu queria fazer quadrinhos uma das primeiras coisas que eu fiz foi montar um grupo de estudos sobre quadrinhos e que eu convidei só desenhistas.(risos)
Laudo: A obrigatoriedade da pessoa querer fazer uma obra prima.
Brão em off: Laudo fala dos empecilhos que novos autores podem enfrentar em épocas tão exigentes.
Laudo: Uma parte da culpa disso são as redes sociais onde os elogios alheios às vezes são exacerbados e às vezes a turma está querendo produzir grandes obras. Não se permite e a mídia também, a mídia especializada também, então às vezes começa essa falha que é não permitir a coisa da maturação. Pega muita rapaziada nova querendo fazer negócio muito bom, de cara, que acho que tá certo, mas ela tem que se permitir fazer. E aí. Se não for bom, não é bom, vamos para o segundo.
André Diniz: Lá atrás eu escrevia e desenhava as minhas histórias, principalmente ali nos anos 90, quando eu comecei os fanzines e tal. Mas eu sabia que tinha ali alguma coisa a dizer com meu roteiro. O desenho não, o desenho era fraco. Eu sabia contar uma história com o desenho e tal, qual é a do meu desenho? E eu passei a focar bem no meu roteiro, passando para outros desenhistas. Meu trabalho deu um salto com isso e só lá mais para frente em 2008 2009 que eu voltei a desenhar. Foi um momento que eu cheguei ali assim, foi bem pragmático. Eu cheguei e rasguei tudo ali que eu achava que sabia sobre fazer uma página de quadrinhos e fui vendo ali do zero. Qual é a minha forma, qual é o meu jeito de poder fazer uma coisa bacana e para chegar num estilo que seria meu, eu fui me estudando mesmo. Então tá, a minha mão é pesada, eu acho lindo aquele traço ali meio pincelado, mas não vai rolar. Então como é que eu vou explorar essa mão pesada? Ao meu olhar é bruto, eu sei distinguir um círculo de um quadrado. Eu não sei olhar para uma pessoa e fazer o retrato dela e depois ela como se tivesse dez anos a mais ou menos. Eu não tenho essa sutileza, então como tirar proveito disso?
E aí também comecei a buscar referências que atendessem a isso que eu cheguei a duas que passaram a me fascinar, que era a arte africana, um exagero uma distorção que não era necessariamente comum e a xilogravura que é a essência de tudo que eu estou falando é desenho feito na faca é o grosseiro, tem um espaço amplo e nuances e isso pra mim é lindo. Então a partir daí eu fui buscando essas diferenças, foi aperfeiçoando minha técnica, até para o digital. Pela primeira vez me sinto bem satisfeito bem realizado assim como desenhista. Claro sempre, pode ser que daqui a dez anos eu olhe e “pelo amor de Deus, isso aqui! Como é que eu fazia!…” Não sei, e espero que aconteça isso, sinal que você está evoluindo.
Brão: O André Diniz é um exemplo peculiar de alguém que era roteirista e passou a desenhar suas próprias histórias. Então não tem uma fórmula, não tem um caminho único. Cada um vai se moldando a partir das histórias que cada um quer contar, a partir do que almeja e das ambições que cada um vai trilhando seu próprio caminho, ali.
Paulinho: No seu caso você gosta mais de escrever ou de desenhar?
Brão: Cara, eu não gosto de desenhar
Paulinho: Olha a polêmica! (risos) Bomba!
Ricardo: Bombástico!
Brão: Eu gosto de ter desenhado
Paulinho: Interessante.
Brão: Eu acho o processo de desenho um processo exaustivo mentalmente. Tem vários artistas e vários amigos que gostam desse processo, que desenha o dia inteiro, e no final do dia para relaxar ele vai desenhar. Isso não é o que funciona pra mim. Eu compartilho muito mais de uma linha de pensamento parecida com a do Salimena.
Salimena: Eu adoro fazer quadrinhos, mas eu não gosto de desenhar. Até muito recentemente eu não tinha me caído a ficha de que eu não sou ilustrador. Eu não sou um desenhista eu sou um quadrinista. isso porque eu gosto de fazer o que eu quero fazer é quadrinhos. O que eu gosto de fazer é transpor um roteiro para a página.
Brão: Então estamos cientes que é algo que demanda bastante tempo bastante trabalho bastante esforço. É só começar. (risos)
Ricardo: Agora, tem um aspecto um pouco cruel que eu acho que tem uma certa afinidade com quem trabalha com comunicação em geral. No meu caso, do jornalismo que era uma profissão que há vinte ou trinta anos atrás tinha uma indústria, tinha os jornais, tinham as revistas que é uma realidade industrial que não se transportou para a era digital. E o que eu vejo é que hoje uma pessoa que trabalha com comunicação, se ela não for um bom vendedor de si próprio, vendedor dos seus projetos, é uma pessoa que vai ter sérias dificuldades em emplacar os seus projetos porque não vai ter nenhum padrinho para vir e falar: “Senta aqui, vem trabalhar no meu estúdio, curti seu talento. Tome aqui um salário, o décimo terceiro CLT.” Quem dera…
Paulinho: Pra você amadurecer e aprimorar seus traços. (risos)
Brão: Sem, dúvida.
Ricardo: Você se vê nesse perfil empreendedor, Brão? Qual é a saída para driblar questões pessoais, ali na implacabilidade de um novo projeto?
Brão: Eu acho que no momento atual que a gente está no mercado de quadrinho, um mercado em expansão, mas ainda imaturo em vários aspectos, eu acho que essa questão de empreendedor se resume a fazer a sua história chegar ao maior número de leitores possíveis e chegar a várias pessoas chave que podem te auxiliar nessa tarefa. Por exemplo sites especializados, canais que falam sobre cultura de modo geral, não focar só no nicho, o que é muito pequeno ainda que é só o quadrinho. Então abranger mais os canais de comunicação que muita gente foca só em canais especializados de quadrinhos. Eu procuro conversar com o podcasters que falam de cultura pop em geral, sites, canais de youtube. Enfim, o “x” da questão é fazer a história chegar no maior número de mãos possível.
Eduardo Damasceno: Fico muito feliz que meu trabalho chegue nas pessoas. A minha prioridade é essa.
Brão em off: Eduardo Damasceno fala sobre como ele lida com a livre distribuição das suas obras.
Eduardo Damasceno: Então desde que surgiu a possibilidade de publicar as coisas em Creative Commons, ou seja, a pessoa pode pegar aquilo, pode distribuir aquilo, eu acho isso muito legal. É quadrinho no Brasil né, gente. Não tem uma saída gigantesca, não faz sentido. “Ah, não vou botar meu quadrinho na internet porque senão vão roubar e eu não vou ganhar dinheiro com isso”. Meu filho, você não vai ganhar dinheiro sem vai fazer isso também. E ainda fica amarrando, né, tipo “Ah, não vou pôr na internet não, porque aí eu não vou vender”. Cara, você não vai vender, ou o quadrinho vende pouco e você continuar ganhando pouco, ou você faz um quadrinho que vende muito e vai continuar ganhando pouco com isso, então…
Fábio Yabu: Qualquer criador de quadrinhos, de animação, a prioridade número um é se conectar com o público, é manter um diálogo com as pessoas.
Brão em off: Fábio Yabu fala sobre diminuir barreiras para chegarem mais espectadores.
Fábio Yabu: E acho que felizmente ou infelizmente isso tem que acontecer da maneira com menos ficção possível e muitas vezes a primeira ficção é obviamente o impasse financeiro, né. Quanto que eu vou gastar pra comprar essa revista, ou pra ouvir esse álbum, pra ir nesse show, ou pra ler esse livro. É uma conta inconsciente que as pessoas já fazem, ainda mais hoje que tem tanta opção. Qualquer pessoa que tá procurando um filme na Netflix sabe disso. Você tem aquele monte de filmes, você não sabe o que escolher, e muitas vezes você acaba não escolhendo nada porque as pessoas fazem essa conta, né. Vai valer duas horas, vai valer três horas do meu dia, essa série, esse filme? Então o autor acho que tem que ter essa consciência e humildade no começo. As pessoas tem muitas opções ao redor delas e se você é mais uma, que a pessoa consiga te encontrar com mais facilidade, né. E aí depois você pensa no retorno do seu investimento, da sua criação. Não é uma coisa que vai vir imediata e acho que isso é comum, mesmo os processos milionários como o cinema, por exemplo, é muito comum um filme que custa hoje 100 milhões, 200 milhões de dólares, dar prejuízo na sala de cinema. Acho que o jogo é assim, acho que é uma questão até de você encarar o projeto como uma carreira que vai ter altos e baixos e que você vai ter que investir em algum momento.
André Diniz: A ideia era publicar no papel e comecei a colocar algumas amostras das histórias publicadas em PDF, né?
Brão em off: André Diniz fala da experiência da distribuição gratuita.
André Diniz: Colocava cinco, seis páginas, só como uma amostra que eu tinha visto isto no site da Oni Press e tinha achando o máximo. Era só baixar, conectar por ali, então eu comecei a ficar instigado com aquilo como um caminho. A época ainda era forte a coisa do fanzine, tiragens de 100, 50 exemplares na fotocópia.
E aí eu coloquei, foi tendo uma resposta muito boa e eu comecei a colocar outros trabalhos meus, trabalhos de vários autores e a coisa cresceu muito mais do que eu imaginava. Era uma época muito pouco na internet principalmente brasileira. Até o momento que eu vi que estava publicando aquilo não era para ganhar dinheiro porque eu sabia que não ia ganhar. Eu chamava carinhosamente de meu trabalho perde pão.
Essa batalha toda na verdade era para fazer chegar o meu trabalho para o leitor. Vamos lá, vamos colocar aqui o PDF, e foi muito interessante isso que o número de downloads era gigantesco. Isso não quer dizer que todo mundo que baixava tinha uma página, mas a quantidade de downloads era muito grande, as pessoas escreviam bastante comentavam umas histórias e tal, essa era a diferença que eu via.
Ricardo: Agora, tem uma coisa interessante que tem a ver com uma fala bacana do Damasceno sobre a experiência dele no Catarse. Você disse em algum episódio anterior que seria uma das possibilidades para viabilizar o “Reparos” e a gente sabe que o Catarse, ele tem um nível de eficiência no mercado de quadrinhos que é desproporcional até com número de fãs de quadrinhos, ou seja, tem um engajamento muito grande da comunidade de fãs de quadrinhos nos projetos que vão para o Catarse. Vamos ouvir um pouquinho da frase do Damasceno e depois queria que você comentasse da tua experiência com essa comunidade de fãs de quadrinhos.
Eduardo Damasceno: A gente fez tudo tão sem pensar, tão sem planejar nada, que criou um trauma porque as coisas deram certo e eu tenho certeza absoluta, por milagre. Então, se a gente for fazer de novo, vai ser muito planejado. Não tenho segurança nenhuma de que se eu colocar um projeto no Catarse hoje, eu vá conseguir financiar ele e vá conseguir dar conta de tudo, do processo de divulgação, do processo de fazer o quadrinho e cuidar das vendas, de cuidar da pós venda, de atender todo mundo com calma. Por isso que a gente acabou optando por editora e a grana não é diferente, não faz diferença financeiramente eu ser um autor independente ou estar publicando por uma editora, só que publicado por uma editora, eu não tenho as caixas na minha casa, nem essa responsabilidade que me tomaria um tempo, que é um tempo que eu queria estar fazendo quadrinho.
Ricardo: Voltando aqui no assunto, conselhos para jovens quadrinistas, que conselho você teria para dar, sobre como a gente pode usar da melhor maneira possível esse amor, essa fidelidade do público de quadrinhos?
Brão: Apesar do mercado estar pequeno de certa forma, no meu modo de ver é o melhor momento para se ingressar nele porque pegando agora nesse embalo de início mesmo, de fermentação do mercado, eu acredito que a gente tem uma possibilidade maior de quando ele estiver realmente amadurecido. Então acredito que quanto antes um quadrinista começar a sua produção, melhor vai conseguir espaço nesse mercado que acredito estar em franca expansão.
A gente vê essa questão do financiamento coletivo e o poder que ele tem, várias pessoas que ainda não descobriram a plataforma e estão ainda descobrindo os quadrinhos como mídia, conseguem formar um público mais conciso e mais fiel entrando nesse momento. E é interessante também você não confiar somente na plataforma, você tem que ir atrás do seu público.É interessante que você tenha uma formação de público prévia à sua tentativa de financiamento coletivo. Na hora da publicação do projeto, você já ter essa rede de apoiadores.
Ricardo: E essa rede se forma como? Nesse corpo a corpo? Convenções, Comicon, como é que é isso?
Brão: Publicando, né? Então participando de coletâneas, fazendo webcomics… A única saída que eu vejo é a produção. Então iniciando mesmo que em antologias com histórias curtas e participações com outros artistas, é unicamente a produção.
Raphael Salimena: O único jeito de saber como é que é produzir, é produzindo.
Brão em off: Raphael Salimena novamente.
Raphael Salimena: Eu acho que geralmente tem muita gente querendo pular uma parte do processo que não tem jeito de pular que é o aprendizado. Mesmo que o cara já seja um ilustrador, um desenhista foda, ele precisa aprender a fazer quadrinhos, não é só desenhar. Tem muita muita muita coisa além do desenho numa página de quadrinhos.
Eu produzo dois tipos de quadrinhos diferentes. Eu tenho a “Linha do Trem“, né? Minhas tiras digitais e eu faço quadrinhos maiores também que é uma coisa mais convencional. Eu faço quadrinhos de 30 páginas e tal. Então falando de tiras é muito mais simples. Comecei a fazer tiras justamente porque eu queria fazer os quadrinhos maiores mas eles não saíam. Ah, tinha a graphic novel aqui então vamos começar. Aí fazia duas páginas e a terceira nunca viu a luz. Então eu comecei a fazer tiras porque era uma coisa que eu ia conseguir terminar.
Brão em off: Samanta Flôor conta como a publicação digital de “A Canção de Ada” ajudou até no desenvolvimento da história.
Samanta Flôor: Comecei a fazer ser digital porque eu queria sentir a diferença porque fazendo digital e postando conforme a gente vai criando a história vai se modificando, né. Eu mudei bastante coisa, ela já está toda escrita, mas conforme eu fui desenhando e postando, as coisas foram mudando um pouquinho.
Ricardo Tokumoto: É difícil falar o que funciona mais porque eu acho que depende muito de cada um.
Brão em off: Ricardo Tokumoto conta da sua experiência com várias formas de publicação.
Ricardo Tokumoto: Depois de toda essa experiência eu percebi que cada um tem uma vantagem ou desvantagem. Pra mim é muito complicado apontar isso, a jogada certa, isso não… Porque depende até da sua disposição de encarar certas características de cada meio de publicação. Por exemplo, começando pelo independente e impresso. Você tem que saber lidar com todo esse estoque, essa logística que você vai ter que carregar livro para os eventos, enviar, tentar arranjar um jeito de vender esse material impresso fora dos eventos, pensando na loja virtual, etc. Coisas que você como autoral dificilmente vai conseguir uma venda tão grande quanto livrarias, por exemplo, por coisas que a editora vai entrar para te ajudar.
Hoje em dia eu estou muito mais propício a ter no impresso essa ajuda da editora, mesmo que ganhando bem menos. Ter essa distribuição e essa preocupação a menos com a logística e com toda a parte até desde a gráfica e tal porque também já é uma coisa que pra muita gente que só gosta de fazer os quadrinhos desenhar não gosto de lidar muito com essa parte gráfica. Chega a parte da logística ainda é pior e com editoras tudo que se resolve um pouquinho mais
Então a editora tem essa vantagem e desvantagem da editora, lógico que é um retorno muito menor do que você do que você teria quando vende suas paradas mesmo impressas. Mas eu, como autor independente, eu percebi que é um evento que eu consigo vender de uma maneira realmente grande que dê retorno, então para esses eventos eu acabo pegando uma parte com a própria editora e vendendo eu mesmo e tentando tirar uma margem de lucro um pouquinho maior. As editoras, elas trabalham mais ou menos com dez por cento, sete por cento de direito de grana para você. E às vezes você consegue pegar o livro com a editora pela metade do preço e revender e ganhar 50% de ganho em cima disso.
Se você mesmo pegar as edições para vender em contrapartida você imprime e vender seu próprio trampo o seu lucro automaticamente vai ser bem maior e você vai poder controlar muito melhor o preço final e tudo mais. Por exemplo, eu muitas vezes vendo meu livro pelo dobro do valor de custo porque consigo lucrar razoavelmente bem. Então acaba não inflando tanto o preço que geralmente as editoras trabalham com às vezes cinco vezes o custo da impressão porque nisso tudo tem que pôr toda aquela parte de distribuição que a gente comentou. Eu acho que dá para baratear muito quando a gente faz independente. Um livro fica bem mais barato e o lucro é maior, mas aquilo que eu falei, a sua distribuição vai ser muito mais complicada. Eu vejo que pessoas compram muito mais na Amazon ou numa Saraiva onde os as editoras colocam os livros para vender online mesmo, do que registrarem e cadastrarem na minha loja no Iluria, que é um sistema que eu uso para vender meus livros. Minhas vendas online diretamente são muito pequenas, coisas de dois livros por mês, no máximo, é pouquíssimo mesmo. Por isso que ultimamente estou gostando muito mais de produzir diretamente o digital. Porque elimina toda essa dor de cabeça de logística que me cansa muito.
Hoje em dia eu vejo que ter o impresso é um capricho muito mais do que uma necessidade real e o consumo maior mesmo acaba sendo de digital, então acho que não faz tanto sentido fazer um impresso quanto fazia há pouco tempo atrás. Então estou investindo muito hoje em dia no Tapas.io, no Webtoons, no Facebook, no Instagram, no Twitter até no Social Comics eu cheguei a dar uma olhada. E agora com o Patreon e o Apoia-se que são plataformas digitais, então em vez de pegar e ficar tentando vender um livro de 20 reais que não é um valor nem tão caro, mas ainda as pessoas custam pagar isso por um livro, eu acabo cobrando R$ 1,00 a R$ 5,00 a R$ 10,00 no máximo, para as pessoas terem níveis de participação na minha produção, manter a produção digital constante. E agora estou fazendo até um esquema de enviar um fanzine impresso para o pessoal de R$ 10,00 mas tudo com uma escala muito mais controlada é muito mais tranquilo de lidar. A minha produção hoje em dia ela se mantém graças ao Patreon e o Apoia-se. Esse não é o suficiente para me sustentar, mas é o suficiente para manter a produção mínima de tiras, coisa que com certeza eu já teria ou parado ou estaria fazendo muito menos periodicidade.
Ricardo Alexandre: Muito bem então com esses sábios conselhos para os jovens quadrinistas do amanhã estamos encerrando o quarto episódio da série de cinco episódios sobre o álbum “Reparos“. Terceiro trabalho do Brão Barbosa falando aqui sobre o processo making of, o “behind the scenes” ainda desse trabalho, contando também com a participação de vários quadrinistas, vários especialistas em quadrinhos. Brão Barbosa muito obrigado pela sua participação. Você pode se despedir do seu ouvinte.
Brão: Eu que agradeço. Precisando, é só chamar!
Ricardo: Paulinho Degaspari muito obrigado também. Sempre muito pontuais e sábias as tuas palavras.
Paulinho Degaspari: e desconexas! (risos).
Ricardo: Lembrando sempre que quem quiser adquirir o “Reparos” entra em braobarbosa.com/reparos. E a semana que vem gente volta com o nosso derradeiro episódio no qual a gente vai tratar de assuntos metafísicos aqui. Por que fazer quadrinhos quando se poderia ter por exemplo fazendo um ravióli? (risos)
Então não perca, semana que vem a gente volta com o podcast de “Reparos“.
Podcast: Play in new window | Download
Ricardo: Olá amiguinhos do esporte! Não, dos quadrinhos! esporte é outro podcast. Estamos aqui no terceiro episódio dos cinco episódios a respeito do álbum “Reparos”. Terceira experiência quadrinística do Brão Barbosa.
Brão: Olá!
Ricardo: E à minha esquerda está Paulinho Degaspari com suas sempre pertinentes participações nesse bate papo sobre.
Paulinho: Estamos aí! Olá pessoas!
Ricardo: E esse podcast, caso você não tenha reparado a altura do terceiro episódio, a gente te explica: ele é sobre a feitura do “Reparos”, sobre a produção de uma HQ deste porte e também sobre a aventura de fazer quadrinhos no Brasil, né. A gente entende não só a participação do Brão mas também de outros quadrinistas que ele entrevistou pra colher depoimentos sobre como é que é fazer quadrinhos no Brasil. E se você quiser comprar o quadrinhos “Reparos” você entra lá em braobarbosa.com/reparos e você pode ter acesso ao livro físico e também o livro digital também, é uma produção independente do Brão Barbosa, certo, e mandar com todo carinho para as pessoas, certo?
Brão: exatamente. Só entrar em contato que vai o livro autografado.
Ricardo: Muito bem, no primeiro episódio a gente falou sobre a pré produção de como surgem as ideias de onde moram as ideias. Como que a gente colhe as ideias no pé no segundo a gente falou do desenvolvimento, argumento, personagens do roteiro e hoje a gente vai falar sobre processo. Brão Barbosa, aqui é o momento de você estar entre amigos e abrir o seu coração. Como é que a disciplina de fazer um álbum? Porque eu lembro assim que no meu primeiro livro, era difícil chegar em casa depois de um dia de trabalho da labuta e ir pra cima. Fico imaginando você chegando do trabalho de São Paulo um cacareco humanos se arrastando entrando em casa, você olha lá para sua esposa, olha lá pra rede e você fala assim: “vou trabalhar”. (risos) Como é que foi isso pra você, Brão?
Brão: Foi bem isso. (risos)
Paulinho: Eu lembro bem do final do “Feliz Aniversário, Minha Amada” você falando: “Eu nunca mais vou fazer um negócio desse!” (risos)
Brão: Eu achei que estava tendo essa ideia agora, que era uma ideia original. (risos)
Paulinho: É bem aquele momento que você fala que vem a paixão, depois você fica totalmente decepcionado e fica se perguntando por que você fez isso.
Brão: Cara, é um exercício de disciplina que vai além das forças, na verdade. É por causa disso que a gente falou no início lá de começar pequeno, de começar com histórias curtas porque é a analogia da corrida mesmo, é uma maratona e a gente só consegue chegar no final com uma certa experiência. Muito planejamento porque saber o tempo destinado que você vai ter ali, ou diariamente ou semanalmente para aquela história e se adaptar a isso.
Paulinho: E você fez isso bem organizado nesse projeto, né? Acho que foi uma coisa inédita para você. Você é um cara bem organizado.
Ricardo: Ele é uma é uma pessoa irritantemente bem organizada. Acho que isso facilitou.
Brão: Facilita.
Paulinho: Você fez esse controle de tempo também.
Brão: Sim, já que eu sabia que eu ia produzir esse material de making of eu fiz um diário de produção em que eu registrei todo o período que eu destinei à obra. Aí já fica aqui o convite ao leitor a chutar aí quantas horas foram gastas num quadrinho que mais tarde nós vamos revelar. Mas são várias perspectivas e cada história leva seu próprio tempo. Tem pessoas que levam alguns meses e outras histórias pedem anos para serem produzidas. Como a gente pode ver que é o caso do João Marcos, do Lillo e do próprio Laudo.
João Marcos: O desafio é encaixar esse trabalho dentro do restante do meu trabalho, como professor, como roteirista para a turma da Mônica. Tem que fazer um cronograma para saber quais dias eu posso passar uma tarde ou uma manhã e uma tarde trabalhando só no livro. É uma parte que é demorada e geralmente demoro uns quatro a cinco meses pra fazer um livro de 50 páginas de quadrinhos e aí fazendo todo o processo, né, desde o roteiro até os desenhos e as cores.
Lillo: Essa ideia ficou sambando na minha cabeça há uns 15 anos. Eu fazia teatro antes, eu era ator. A primeira coisa que eu pensei quando tive essa ideia era fazer uma peça de teatro e depois foi um conto, depois foi um romance. Ela foi um monte de coisas antes de ser isso que você vê em La Dansarina. O personagem já foi homem, já foi mulher, já foi menino, já foi adulto, já foi velho, já passou numa época, já passou em outra, até que chegou nesse formato. Agora, a gênese da história fui eu que bolei, daí eu apresentei pro Jefferson e a gente discutiu a história, e teve coisa que mudou no meio do caminho. Foram dois cliques na ideia. O primeiro foi em um consultório médico. Eu estava ali esperando a consulta e aquela coisa toda e lendo, né, só que tinha só revista de médico e no meio da revista tinha um artigo onde ela falava da gripe espanhola, embora eu já sabia o que era a gripe espanhola. Eu nunca tinha lido nada sobre a gripe e foi ali que me deu o primeiro clique, lá no consultório mesmo eu estava lendo aquilo e saí de lá crente que ia fazer uma peça de teatro. Aí teve um segundo clique porque daí eu fui pensando na história. Daí teve uma noite que estava voltando do bar, e tava eu e meu cunhado. Aí cara, veio um homem sem camisa, quatro e meia da manhã, arrastando aqueles carrinhos de recolher papelão e ele vinha arrastando aquilo. Cara, e eu chapado e ele passa pela gente e falou assim: “Boa noite”. Olhei para a cara do meu cunhado “Jé do céu, quem que sai quatro e meia da manhã para catar papelão?” Daí ele falou assim: “Quem precisa. Ou tem um corpo ali dentro e ele tá indo enterrar. Daí deu o clique. Eu falei: “Cara, essa é a história”. Aí sim! eu já sabia que eu queria escrever sobre a gripe espanhola. Mas a história começou a tomar forma a partir daí.
Laudo: Nos 14 anos, 15 anos. Eu acho que em 1998 eu já tava pensando coisas do “Yeshua” e as coisas foram tomando proporção. Houve uma preocupação por fazer um estudo de personagem e aquilo foi amadurecendo. Ele é um divisor de águas para mim porque ali eu me entendi como um autor de quadrinhos. Na verdade a ideia de como eu iria desenhar o “Yeshua”, ela veio quando eu fiz o “Subversivos: Companheiro Germano” com o André Diniz, o meu desenho estava perdendo expressividade e eu precisava ganhar dramatismo porque eu estava preso à referência fotográfica. Na época eu falei: “André, eu tô querendo fazer o ‘Subversivos‘ num traço de cartum. Não quero nem prender a minha cena dentro de um requadro. Então quando eu fiz o “Companheiro Germano” que foi em um final de 99 no começo do ano 2000, eu não tinha começado ainda a fazer o “Yeshua”. Quando desenhei aquilo eu lembro que eu tive uma sensação muito boa de falar: “É assim que eu quero fazer”. Disso eu pulei pro “Yeshua” é desse jeito que eu quero fazer. Até então eu estava fazendo estudo do “Yeshua” com um traço realista. Essa questão de sair de uma linha e entrar em outra foi uma preocupação técnica, né. O traço realista, pro traço de cartum. Mas essa mudança aconteceu não é por causa da linha é por causa da consequência. Minha preocupação era fazer algo visceral.
Ricardo: Continuando o nosso assunto aqui do processo da construção do quadrinhos eu lembrei de uma fala muito interessante da Adriana Melo sobre a capa a que chama o leitor, especialmente novos leitores.
Adriana Melo: A princípio tudo é comercial. A princípio tudo tem que vender mesmo que você faça algo gráfico ou se você está fazendo, por exemplo, o Batman dando soco no Coringa na capa da sua revista. Pode ser a imagem mais batida do mundo, mas tudo vai depender de como você vai representar aquela imagem. Vamos supor, nesse exemplo, um soco no herói, no vilão, enfim eles se enfrentando. Vai ter uma dezena de formas diferentes de câmeras diferentes ângulos diferentes para representar essa cena. Você tem que bolar algo que seja comercial que vai vender sua revista que vai te chamar atenção. Centenas de capas diferentes, mas você tem que pensar que tua tem que chamar a atenção. Tem que chamar não só do cara que lê mensalmente como só o desavisado que tá ali vendo: “Hmm, o que eu vou compr… Opa! Gostei dessa capa! Deixa eu ver qual é essa história”. Chamar o leitor e isso é fácil. Então mesmo que o editor vire para mim fale: “Olha, você pode fazer qualquer coisa”. Dentro desse qualquer coisa tem que pensar no comercial, tem que chamar a atenção do leitor. A importância da capa além de agradar quem já é fã do personagem, quem já acompanha, quem lê, quem coleciona, etc. Tem também o lance de trazer, chamar, despertar a atenção daquela pessoa que lê Marvel e não lê DC, ou lê DC e não lê Marvel. Tem o lance da capa também chamar a atenção daquele leitor que não é o leitor usual daquela revista. A tua capa tem que chamar leitores para a tua revista. Você quer atrair pessoas pro teu trabalho chamar a atenção dessas pessoas independentemente de qual personagem é. Se é próprio ou se não é.
E a ideia é sempre essa. Atrair leitor para o teu material seja independente seja por uma editora, seja Mauricio de Sousa, seja grafic MSP, seja lá, Titans Comics, seja lá o que for. Você quer que as pessoas consumam o teu material.
A corrida é para atrair pessoas que não conhecem o eu trampo. O desavisado está passando ali na convenção e olhando em volta: “Opa, peraí, aquela arte ali me chamou atenção”. A pessoa que pára e olha o teu material, ou na internet a pessoa está navegando: “Olha essa capa aqui”. É um ponto de atrair novos leitores pro teu material.
Maiolo: A capa é autoatendimento da loja de quadrinhos. É o que vai fazer o leitor pegar o gibi na mão e folhear. É o que acaba ajudando na venda, sabe.
Ricardo: É verdade, a gente acabou de ouvir Adriana Melo falando sobre capa, na sequência o Maiolo falando, chamando capa de autoatendimento da loja de quadrinhos. Agora, isso tem a ver com o suporte físico, onde uma capa tá ali brigando com outras capas. E você pensa nessas coisas na hora de fazer a capa dos teus álbuns ou especificamente do “Reparos”?
Brão: Tem que pensar e tem que pensar nisso inclusive também para o digital porque por mais que existe essa possibilidade do leitor ir direto no nosso site, mas a gente tem o Comicxology, a Amazon, o Social Comics e outras plataformas que também têm o seu catálogo e a capa também faz o seu papel na escolha do leitor.
Adriana Melo: O meu processo pra pensar em capa, é sempre pensar no tema daquele personagem.
Brão em off: Adriana Melo volta para explicar como foi o processo da sua primeira capa.
Adriana Melo: O fio que aquilo me passa seja o filme seja o seriado seja o livro seja o que for.
Então, assim, Doctor Who pensando assim, no comecinho da segunda fase 2005, 2006 a fase de David Tennant, que é o meu favorito, até pelos robôs que apareciam pelos personagens, pelos daleks, pelos vilões, me faziam pensar muito em arte decó, em aventura pulp com aquela coisa bem vintage, bem antiga, aí o pessoal sabe no comecinho da série os efeitos especiais eram bem improvisados mesmo. Então o tema dessa primeira arte eu que pensei em fazer algo que tivesse linhas retas como o art decó algo que tivesse esse clima de poster antigo pintado à mão, sabe, aqueles posters de filme da década de 50 60. Então o primeiro passo foi escolher o tema aí passar um tempão pesquisando imagens de pôsteres da época, paleta de cor, ilustração. Pensar em uma moldura desenhada nesse estilão art decó, tudo com retas, tal. E desenhar isso.
Qual que é o tema? Então eu penso no tema, faço uma pesquisa a respeito daquele tema seja arte ou seja história ou seja até a arquitetura, dou uma viajada e aí papel e cor.
Brão: Então a capa é fundamental. Por exemplo “Reparos” eu tive o desafio de escolher ou não colocar a figura do Sr. Ravid na capa, porque ele é uma surpresa na história e eu não poderia por exemplo colocá-lo interagindo de forma positiva com a Eunice a capa.
Paulinho: Porque isso vai acontecer mais para frente também.
Brão: Então eu optei até por não colocá-lo na capa.
Ricardo: Legal. Isso é uma pergunta interessante que eu ia fazer, me ocorreu isso, realmente do quanto se mostra e o quanto se esconde numa capa. Em que momento do processo você criou a capa?
Brão: Eu concordo muito com Thobias que a capa tem que ser a última coisa.
Thobias: A capa para mim, ela é uma das coisas mais importante da HQ.
Brão em off: Thobias Daneluz é autor de “Zoom” e co-autor do canal de animação “Sociedade da Virtude”
Thobias: E eu acho que ela tem que ser feita na última parte porque quando você começa uma história às vezes você não sabe direito para onde ela vai em questão do desenho, em questão da narrativa. Então eu acho que quando você se relaciona com a história do começo ao fim, você cria uma identidade legal para a capa, depois que você termina de desenhar e de roteiriza. Deixando a capa por último você vai ter total sintonia com aquela história fazendo com que ela seja uma parte da história, mas que não seja a capa e a história separadas. Por exemplo, em “Zoom” eu fiz o miolo da história inteiro em tons de preto amarelo e branco do papel. Quando eu fui pensar a capa, pensei na capa ser algo onde restringisse essas mesmas cores, onde tivesse apenas o amarelo preto e tons de amarelo porque eu achava que a capa tinha que ser chamativa dentro dos padrões da história que eu desenhei. Faz parte da história. Ela começa ali. O cara começa a ler a partir da capa.
Brão: Invariavelmente o nosso traço vai amadurecendo inclusive na produção da própria história. Então o traço vai estar mais maduro justamente no final dela, é claro. Ás vezes são variações mínimas ali, mas tem uma certa mudança.
Paulinho: Ainda mais num processo de mais de um ano, né, de desenho.
Brão: Então deixando a capa para o final. Você tanto já vai ter percorrido toda a história, como seu traço já vai estar mais maduro e já vai estar mais funcional para contar ali essa mensagem que você quer passar com a capa. E a minha escolha e no caso, foi trazer elementos que pelo menos se eu fosse leitor, me interessaria. Essa parafernália toda que está no fundo da capa. Essas ferramentas, esses objetos todos são elementos que me interessariam, e aí colocando o personagem principal que é a Eunice, que está interagindo, construindo algo, é algo que me chamaria bastante atenção. E eu acredito que vai chamar a atenção também do leitor em potencial.
Eduardo Damasceno: No “Achados e Perdidos” e no “Cosmo” não teve tanto um pensamento não.
Brão em off: Eduardo Damasceno conta seu processo de criação de capas.
Eduardo Damasceno: Tentei fazer uma composição que não fosse horrível. A capa é uma peça de design que tem que funcionar junto com aquele texto que tá ali. A capa tem essa função de chamar atenção à primeira vista. E eu acho que desenhos bonitos chamam a atenção. É fazer um desenho que eu acho bonito e que o texto funcione, que o título funcione nela.
Kako: No começo da carreira você tem muita vontade de fazer uma marca, de ter uma voz.
Brão em off: Kako é um ilustrador com muitas capas de quadrinhos e principalmente de livros no currículo.
Kako: E eu lembro que uma das primeiras capas de revista que eu fiz, eu era cheio de ideias e é engraçado quando você começa a fazer cada vez mais e mais capas, você dá valor, na verdade, ao que é o que você chamou de capa comercial. Capa não tem jeito, você tem que chamar a atenção do livro, ou de uma revista, ou de uma história em quadrinhos.
Eu fiz algumas capas de quadrinhos. Eu ainda tinha essa ideia de que uma capa poderia ser muito mais profunda do que necessariamente uma capa que pegasse uma pessoa mais pelo desenho.
Das capas de quadrinhos que eu fiz as que mais funcionaram foram as capas que eu fiz pra DC, que eram bem diretas. Eram bem gráficas, não tinha muito mensagem. Era simplesmente desenhar um monte de vilões, um atrás do outro. Foi o mais divertido para mim. Eu não tinha exatamente essa função de passar mensagem. Diferente de um livro que eu preciso ler o livro inteiro antes de ter uma ideia da capa. Exatamente para não saber a mensagem que eu vou passar.
Eu acho capa do livro, muito mais que uma mensagem, você tem que dar uma isca pro leitor. Sobre o que é esse livro? Quais elementos, quais personagens você vai usar na capa? Você tem que vender a capa.
Brão em off: Quando questionado se a capa deve ser mais “conceitual” ou mais “comercial”, Kako responde com exemplos práticos.
Kako: Pra Companhia das Letras a gente fez uma capa pra Penguin, pro “Caninos Brancos”. Eu tinha feito duas opções. “Olha, eu vou fazer essa capa ilustrada do jeito que vocês querem, mas eu tenho outras duas ideias”. Eu achei muito mais expressivas conceitualmente. Eram realmente capas muito mais conceituais do que a capa ilustrada, mas no final bateu lá na editoria e os editores acharam melhor ir para a capa mais segura, que era a capa ilustrada. Eu tive que fazer uma capa que vendesse. No final é isso, você tem que fazer uma capa que vende e eles sabem para que o lado o público tende a ir.
O caso de uma capa que teve ambos os critérios equilibrados, tanto comercial quanto gráfico foram as capas que ainda estou fazendo para Record que são as capas das “Crônicas Saxônicas” que eu estou fazendo com o Marcelo Martinez. E o Marcelo veio com uma puta ideia: “vamos fazer uma capa que vai chamar a atenção na livraria”. A gente usou essa laminação prata na capa. Uma vez eu estava passando no shopping, estava saindo do cinema, já as lojas fechadas passando na frente da livraria e as capas estavam na vitrine. Tudo escuro lá dentro só que, por causa desse laminado prata, batia a luz do corredor na capa e era a única capa que brilhava. E era uma capa interessante porque a gente teve essa ideia de jogar uma do lado da outra como se fosse um grande painel. Então meio que isso obriga o pessoal da livraria, quando monta o livro, montar um do lado do outro, cobrindo uma grande área. Não necessariamente essa capa tem uma mensagem. É puramente vikings e saxões, vikings e saxões, vikings e saxões, um guerreiro atrás do outro. Todas elas chamam muita atenção.
Ricardo: Muito bem! Continuando falando do processo aqui agora gostaria de apresentar uma personagem muito importante, dessa vez viva, né que é uma personagem da história. Mas é um personagem da história de “Reparos” que é Mariane Gusmão. Ela foi a colorista do álbum. Fala um pouco dela, Brão, antes da gente, antes de ouvir a voz da Mariane Gusmão.
Brão: Bom, a Mariane eu conheci também no desenrolar do projeto. A princípio eu tentei fazer a obra como uma banda de um homem só. Eu ia fazer também as cores.
Paulinho: a gente sempre acha que vai conseguir. (risos)
Brão: Mas no final, o prazo apertando, eu achei por bem chamar uma pessoa para auxiliar nesse sentido que daria a possibilidade de fazer com mais calma e com mais carinho que eu acredito que ele merece. E no caso Mariane apareceu nesse momento e desempenhou essa função com maestria.
Mariane: “Reparos” tem esse traço do Brão que é mais cartoon, e pode parecer que é mais fácil de pintar porque é cartoon, mas não é. Quanto mais estilizado, mais cuidado você tem que ter com as cores. Tudo tem que ficar harmonioso, elas não podem brigar com o desenho, elas tem que se complementar. Quando eu fui começar a pintar eu pesquisei referências tanto em outras histórias em quadrinhos como fotos, para criar uma paleta bonita, né?
Paulinho:A cor é uma coisa bem interessante porque às vezes se faz um quadrinho preto e branco e acho que dá menos trabalho.Por ser preto e branca é tipo um desenho não colorido, né? Mas não é. Mas é bem diferente e se você faz alguma coisa preto e branco você tem que preencher muito mais coisa do que o colorido. Você acha que facilitou o processo ser colorido?
Você tem no seu currículo “Jesus Rocks” que era preto e branco. Depois veio um “Feliz Aniversário” e esse que são os coloridos. Qual pra você deu mais trabalho na criação do desenho?
Brão: “Reparos”, sem dúvida.
Paulinho: Mesmo sabendo que teria cor?
Brão: Sim porque é uma história que eu já estava mais maduro para ela e que a ambientação era algo muito importante ali. Mais do que as outras, eu acredito. Então são vários elementos e detalhes e tudo que precisava colocar para contar a história com mais fluidez.
Paulinho: Você quase desistiu de fazer ela na oficina? Vou fazer, seilá…(risos)
Brão: Numa sala branca, num hospício. (risos)
Maiolo: A única diferença é que você tem menos cores para trabalhar contraste.
Brão em off: Marcelo Maiolo fala sobre a diferença de colorir em cores e preto e branco.
Maiolo: Você vai ter aquela escala de 0 a 100 para preto e dar seus pulos, sabe. Quando você vai trabalhar com cor, acho que você tem mais emoções na sua paleta ali, sabe. Você consegue fazer isso do PB com textura, halftone pode trazer muita emoção pro branco e preto. E às vezes nem é tanto o tempo, é o custo. A HQ em PB é um custo, botou cor nela, o preço começa a pular pra cima.
Ricardo: Você concorda com ele? Até porque nesse caso tem essa coisa da faixa etária digamos do público aspiracional. O “Feliz Aniversário” é uma obra mais densa, mais adulta. E desta vez você tinha que experimentar com alguns aspectos um pouco mais lúdicos, não é isso?
Brão: com certeza. Precisava de uma paleta mais variada do que a “Feliz Aniversário, Minha Amada” e também a determinação de espaços, de ambientes e de tempo que tem uma passagem de tempo que é contada quase que só pelas cores.
Salimena: No “Vagabundos no Espaço”…
Brão em off: Raphael Salimena descreve seu processo na sua webcomic.
Salimena: Uma coisa que eu estou tentando fazer ali dependendo do planeta que tiver dependendo do ambiente Eu quero mudar completamente a paleta de cor eu quero que o cara bata o olho e falar esse é o lugar tal que é a função primordial da paleta de cor nas histórias em quadrinhos. Quando muda de ambiente só as cores falam já que o ambiente mudou. Se não tiver contato inicial da cor você vai ter que procurar por elementos que falam. Qual ambiente é aquilo.
Brão: Como eu estava falando. A Marianne veio para me ajudar tanto nas cores como também no prazo, porque é muito disso que gira todo o processo. É o tempo brigando com a qualidade ali. Então nessa questão, você tem que ponderar muito o método, a técnica que você vai utilizar com relação a tempo. A Julia Bax, que é um eximia aquarelista, quando ela precisa de uma produção mais rápida, ela requer o digital.
Julia Bax: Eu já estava pintando a aquarela fazia um tempo, já estava bem confortável até com a técnica, mas ainda assim se você imaginar que uma página de quadrinhos tinha em média oito nove quadros e cada quadro é uma pequena ilustração tem a sua diagramação tem a sua luz e sua câmera, então você estava fazendo. Oito, nove ilustrações em cada página tendo um prazo mais ou menos uma página por dia no máximo a cada dois dias, é bem intenso e na aquarela além de todo esse trabalho depois ainda ia um bom tempo escaneando e tratando de colocar uma página no digital parecida com o que estava no original. Um número de horas da página produzida realmente foi bem mais intenso. Eu tinha que desenhar o tumb do processo. Pra quem não conhece, você desenha o thumbnail que é a diagramação da página você vai achar o tamanho dos quadros mais ou menos a câmera de cada quadro. É o planejamento da página.
E no computador eu passo diretamente para a finalização de cada quadro. Eu pulo algumas etapas, e na aquarela eu precisava desenhar grande, depois de desenhar no thumb, numa outra folha para poder planejar o desenho, passar na mesa de luz o papel de aquarela, porque o papel de aquarela é caro, então você não pode ficar apagando em cima dele porque senão estraga, ele não recebe tão bem a tinta depois. E no final ainda dava uma arte finalzinha com o lápis de cor. Então eu acabava desenhando muitas vezes a mesma coisa. Era um processo bem mais lento do que fazer digital. O remir era meio intermediário, o remir eu fiz o acabamento com nanquim a cor digital, bem simples, é uma cor bem chapada com pouca sombra. Do “Tomas” realmente é 100% digital. O início mesmo sempre é uma ideia dentro da sua cabeça do tipo de ambiente que você quer criar. Você tem dificuldade com cor, sempre vai pela atmosfera do ambiente. Está de tarde, está de noite, está de dia, o ambiente é interno. A pessoa está sentindo medo, é uma cena de tensão, é uma cena feliz. Primeiro escolhe qual é a sensação que você quer passar e aí a partir disso você consegue muito mais fácil decidir o geral da cor, escolher por exemplo vai ser a cor dominante daquela cena. Eu quero que seja um azul, eu quero que seja uma coisa calma, um azul mais escuro, é uma cena noturna cheia de tensão.
E aí você vai por esse processo conseguindo chegar mais fácil ao invés de começar simplesmente: a pele é bege, a camisa vermelha, e o céu azul, onde você acaba caindo muito no lugar comum e perdendo a força que podia ter.
Priscila Tramontano: Cor serve a história tanto quanto o desenho e o roteiro. O que eu quero passar naquela cena.
Brão em off: Priscila Tramontano trabalha com a franquia “Transformers” e também foi a colorista de “Laços”.
Priscila: O que eu gosto de fazer quando eu recebo ilustrados para colorir é: eu vejo tudo. Eu vejo que vai ter uma progressão natural da história e nessa progressão, eu vejo qual tipo de cor vai se adequar a cada passagem. A diferença de “Laços” não foi só técnica mas vários pontinhos aqui e ali, por exemplo: No “Transformers” tem já alguns personagens que são bem coloridos, já tem seu esquema de cor e você precisa seguir a linha que te mandam, e eles interagem com muitos cenários estranhos por exemplo:. Explosão, espaço, bases submarinas. Então nesse aspecto você pode pirar um pouco mais. Já no “Laços” foi um pouco mais restrito no sentido de técnica porque o Vitor, ele tem um traço que é bem detalhado ele trabalha com luz e sombra no próprio lápis, então a cor foi cor base, o que eu trabalhei mesmo foi a paleta e tinha a ideia de lembrar um filme de aventura dos anos 80, “Goonies”, “Conta Comigo”. E o que eu me lembro desses filmes é a sensação de quentura no coração, sabe. Então eu tentei passar essas coisas assim um pouco mais dessaturada, mas com aquelas cores quentinhas que me remetem à infância.
Maiolo: Uma das poucas coisas que não abro mão, é de montar a própria paleta.
Brão em off: Maiolo novamente.
Maiolo: Eu gosto de escolher a cor muito pelo lance psicológico e emotivo da coisa. A coisa tem que passar informação de emoção, a função da cor é essa. Então assim, quando eu estou lendo o roteiro, geralmente sinto mais ou menos o que o roteirista quer passar a partir daquilo eu já começo a esboçar uma paleta, entendeu? Meu processo apesar de eu pensar nele, ele tem um lance muito muito visceral, assim, sabe. Eu gosto de ir produzindo no processo, eu vou experimentando, vou mexendo. Eu tinha algumas coisas pré-definidas, só que muitas delas mudam no meio do caminho. Eu costumo falar que quem trabalha com esse tipo de paleta, a banana nem sempre é amarela e a maçã é vermelha, aí você acaba descartando o mundo real e vai para uma lance muito mais abstrato, meio impressionista, expressionista. Acaba trabalhando muito mais com aquilo que você quer passar, do que com aquilo que realmente é.
Ana: Aquela ferramenta que tu domina mais é a que vai ser mais rápida para tu fazer.
Brão em off: Ana Luiza Koehler mostra que cada um se adapta melhor a um método.
Ana: Pra mim por exemplo, a aquarela vai muito mais do que se eu fizesse de tudo no digital. Como já estou muito acostumada com aquarela, eu já consigo planejar os esquemas de cores das páginas das cenas de antemão. E aí eu já faço as cores ali né no meu godê e simplesmente vou preenchendo. Talvez o pessoal ache mais difícil porque não tenho o famoso Ctrl+Z, né. É um meio que nos obriga a fazer um planejamento de paleta de cores antes de chegar à cor da página original. Então na verdade eu acho que não necessariamente ela vai ser mais difícil ou levar mais tempo.
Quando eu estava colorindo páginas eu levava uma sete ou oito horas para colorir uma página. Então se a gente pega o tempo de um flater, mais o colorista, talvez fique elas por elas pro digital. Como eu fazia esse planejamento anterior de cores isso que deixa mais rápido, porque tu já faz uma chave de cores e aí tu só aplica, porque eu acho que uma coisa que deixa muito demorada a colorização é o processo de decidir cores toda hora. No momento que tu
Pensa numa paleta de cores antes, não precisa tomar todas as decisões ao longo do processo. Fica muito mais ágil como um todo. Eu parto muito mais de teoria das cores e aí passa um pouco pela questão da psicodinâmica das cores que é que sentimento quer mostrar. Eu pego por exemplo uma dominante que quero para uma cena, vamos supor por exemplo o vermelho ou amarelo. Daí monto uma paleta em torno dessa dominante seja uma paleta complementar ou análoga, triádica, aí a gente tem uma série de arranjos possíveis em termos de harmonia de cores, daí eu uso essa paleta, daí é só aplicar na página. É bem mais fácil do que parece. (risos)
Davi: O meu contato com cor , de pensar a paleta de cor, veio de muitos anos estudando a pintura tradicional.
Brão em off: Davi Calil é autor de “Uma Noite em L’enfer” coautor de “Quaisqualigundum” e da graphic MSP “Turma da Mata – Muralha”.
Davi: Quando eu comecei a fazer quadrinho eu já tinha esses anos de ateliê, de pintura a óleo mais clássica. Eles têm umas formas de passar a composição da paleta. Então eu já tinha um contato com isso. Quando eu fui fazer quadrinhos, eu meio que transferi um pouco desse conhecimento, eu nem pensei muito da verdade, foi natural, eu transferi essa forma de pensar a cor, só que para o quadrinho.l Quando eu comecei a fazer quadrinho, sem querer as portas do mercado de animação foram abrindo para mim eu adorei e comecei a trabalhar com pré produção de animação e eu descobri uma coisa que se chama “Colour Script” que isso mudou a minha cabeça da forma que eu penso cor nos quadrinhos. O colour script é meio que
Traduzindo literalmente, um roteiro para as cores, um planejamento para as cores do filme inteiro, usando alguns quadros do storyboard para você criar uma espécie de roteiro mesmo para as cores, mostraram as entonações principais, as cenas de acordo com a sensação meio que psicológica que aquela parte do filme passa. Pensar no “Toy Story” por exemplo, ele começa mais alegrinho o céu azul, luzinha amarela e mais aquela sensação alegre que está tudo bem. Daí ele vai apresentando o problema, o filme vai perdendo saturação, vai ficando amarronzado quando tem o clímax da treta mesmo, que estão lá numa fornalha, fica tudo entonado para o vermelho e laranja, e depois que a tensão passa, a cor começa a recuperar a saturação colorida até que no final ela acaba do jeito que estava no começo tudo bem, tudo alegre de novo.
Então eu comecei a estudar isto também junto com o pensamento de paleta de cores que eu já tinha e comecei a pensar nessa questão do colour script para a história e as histórias que vou desenhar, eu pego o thumbnails delas antes de sair arte finalizando muito e eu faço um colour script pra elas. Inclusive a do Jotalhão, lá que a gente fez com o Roger e com o Fujita, eu fiz exatamente isso, eu aprovei o colour script primeiro com o Sidão, com o Roger e com o Fujita. Então eu peguei os thumbnails da história e fiz uma marcação das cores gerais, e tá bem aquilo que eu falei, começa tudo alegre, tá todo mundo meio que bem, daí a treta vai se apresentando no roteiro, eu vou dando uma tensão pra coisa, e anoitece. É até curioso porque a cena noturna não era noturna, a cena noturna da história o Fujita escreveu e não pensou na hora do dia, o Roger desenhou também pensando que era de dia, só que na hora de pintar eu “taquei” um ceuzão escuro e joguei uns respingos para fazer estrela. Porque eu estava pensando no colour script… eu queria baixar bem o tom da história, porque logo em seguida tem um incêndio na mata, e daí tem a treta final dos personagens, antes do desfecho. Então para esse incêndio ficar mais impactante, ia ficar legal à noite. E foi engraçado porque quando eu mostrei pra eles, o Roger: “Nossa, essa cena eu desenhei pensando de dia”, e o Fujita: “Porra, eu nem tinha pensado se eu de dia ou se era à noite”. Falei: “Ah, galera, agora é noite! (risos), agora eu defini aí” quer dizer, poderia ser mudado, mas até o colour script é bom pra isso, você não mostra a página com a cor final, você mostra uma ideia do contraste principal e pô, se precisasse mudar, eu não teria tido um puta trabalho, era uma bem tosca assim, que eu coloquei num thumbnail mesmo. Mas aí como eles gostaram e não interferia na história, ficou até legal porque aí quando a história acaba, a gente colocou um sol amanhecendo, o sol raiando e ficando tudo nem de novo. Então como é uma historinha de aventura bem básica, a gente faz essa estrutura fixa, né. Às vezes a gente pode querer quebrar isso, não é uma regra para uma história acabar do jeito que estava no começo. Mas o que eu sugiro para o pessoal que está começando é estudar a técnica da animação, porque a animação trabalha muito bem a cor, não na questão página a página, mas na questão assim, qual a entonação de cada cena, para enfatizar a sensação que o roteiro pede. Então você tem um momento mais tenso do roteiro, você pode usar a cor para deixar essa sensação mais forte. Como também a quebra de uma cena pra outra. Quando eu quero deixar bem marcado que acabou uma cena e iniciou uma outra que é num outro tempo, num outro lugar, eu também uso uma quebra de paleta de cor. No “L’enfer” eu usei mais isso, porque o “L’enfer” não tinha tanto colour script , porque eu fiz um pensamento de paleta de cor de extrair da tela dos pintores que eu usei como referência. Então eu peguei telas do Van Gogh, apliquei um filtro podre de photoshop chamado mosaic ou cristalize, é um desses, que ele bloca com os gomos de cor, ele desconstrói a margem e daí eu uso isso para roubar a paleta de cor de obra que eu gosto. (risos)
Se você pegar uma foto ou uma pintura que você gosta, aplique esse filtro pra blocar as cores e você seleciona lá um conjunto de cores que você quer, a partir daquela imagem que você já tinha gostado. E daí quando eu vou montar uma paleta de cor, geralmente eu procuro nove cores ou tons de uma mesma cor, que seriam para fazer três chaves. Isso eu peguei da pintura tradicional. Eu costumo chamar de chave alta, chave média e chave baixa. Então a chave alta são essas cores mais claras, a chave média são as cores médias e a chave baixa são as cores mais escuras.
Então quando eu vou montar uma paleta, extraindo cores da obra de alguém, de um pintor, de uma… Você pega um frame de um filme que tem a fotografia linda, e aí eu “taco” nesse filtro aí e roubo a paleta de cor dele. Daí eu seleciono sempre em três chaves para ter uma utilidade, pra não pegar a cor só porque eu gosto dessa cor. Escolher a cor por gosto é um pouco limitante porque aí fica sempre no seu gosto, e a cor tem uma função, ela enfatiza sensações específicas, então se você usar pensando na função dela, no que ela diz e não “ah eu gosto de amarelo com preto, ou eu gosto de sombra azul”. A sensação que ela cria é mesmo que a mesma, e se você souber ser mais versátil, e usar as cores para criar sensações diferentes, enfatizar a parte do roteiro que diz determinada coisa, eu acho que ela funciona melhor, enriquece a experiência do leitor.
Ricardo: Muito bem senhoras e senhores, estamos chegando ao final de mais um episódio e daqui a alguns segundos a gente vai revelar um dos grandes mistérios da saga “Reparos”, mas antes disso…
Paulinho: Acharam que a gente estava esquecendo (risos)
Ricardo: Jamais eu iria esquecer disso, eu vim aqui só pra isso, na verdade. Estamos aqui falando, esse é o terceiro dos cinco episódios sobre “Reparos”, esse terceiro álbum em quadrinhos do Brão Barbosa.
Paulinho: A gente ainda tem que fazer o bolão do tempo gasto
Ricardo: Ah é verdade, o tempo gasto no processo de criação. Mas ok, Se você quiser comprar… Eu aprendi com o João Kleber a fazer isso… (risos) A gente precisa…
Ricardo: Para, para, para
Paulinho: O que é que tem dentro dessa caixa?
Ricardo: É, a gente vai falar quanto tempo foi gasto, foi investido na produção de “Reparos”, mas eu queria dizer antes disso que você pra comprar a obra pode entrar em braobarbosa.com/reparos que levou? Muito bem senhoras e senhores, que emoção! Nunca imaginei que fosse passar por tanta emoção, tanto frisson num relis podcast. (risos)
Ricardo: Fala pra gente, Brão, quanto tempo você gastou?
Paulinho: Vou dar meu chute, meu palpite. Soma total desde o que?
Brão: desde o dia 15 de agosto de 2015, até 15 de agosto de 2017, quantas horas foram gastas…
Ricardo: Dois anos?
Paulinho: dois anos. Eu ia chutar dois anos (risos)
Ricardo: eu vou arriscar! Acho que ele gastou quatrocentas horas de produção.
Paulinho: Quatrocentas? Eu vou chutar… tem que exagerar um pouquinho, né? Seiscentas horas?
Brão: “Reparos”, foram contabilizadas quase mil horas de trabalho.
Ricardo: O que que é isso, cara…
Paulinho: que foram divididas como?
Brão: Foram, olha só. Da minha parte foram setecentas e cinquenta horas .
Paulinho: Cheguei mais perto.
Ricardo: Meu Deus, como é que esse casamento sobreviveu, minha gente? (risos)
Brão: Foram cento e quarenta horas no roteiro, trezentas horas no desenho à lápis, duzentas e cinquenta horas na finalização, trinta horas em correção, dez em diagramação, e claro, né? Vinte horas só com burocracia.
(risos)
Brão: ProAC, edital, escrever aquilo, formar o projeto.
Paulinho: Ah, vinte horas até que foi pouco, né?
Ricardo: É verdade, a gente tá aqui quanto tempo? Quinze horas só gravando podcast? (risos)
Paulinho: Tem que contabilizar isso aí, né. (risos) Pode pôr na conta, põe mais um risquinho nesse gráfico. Ele fez um gráfico…
Brão: tem que completar as mil horas.
Paulinho: Ah tá.
Brão: e fora isso, a Mariane teve aí em torno de duzentas horas para colorir a história toda.
Ricardo: Muito bem amigos, foi um grande prazer, eu sei que você também ficou muito emocionado e tenso com esse episódio, mas a gente promete que semana que vem a gente volta com assuntos muito mais floridos, como a publicação, o momento em que isso chega na mão do leitor. Então até semana que vem. Paulinho Degaspari, Brão Barbosa.
Paulinho: Estarei aqui
Brão: Até lá!
Ricardo: É isso aí, a gente volta… até lá!
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Ricardo: Olá, senhoras e senhores. Eu sou Ricardo Alexandre e esse é o segundo episódio da nossa gloriosa série de cinco episódios sobre o álbum em quadrinhos “Reparos“. Terceiro álbum do amigo Brão Barbosa que está aqui nessa mesa, não poderia deixar de estar, né, Brão?
Brão: Sou eu.
Ricardo: É o próprio Brão Barbosa, o autor dessa obra, e do meu lado esquerdo está Paulinho Degaspari. Tudo bem, Paulinho?
Paulinho: Olá! Estou aqui!
Ricardo: Muito bem! No primeiro episódio, a gente falou dos primeiros passos da concepção dos quadrinhos e hoje a gente vai falar sobre o desenvolvimento, como é que se transforma boa ideia num material em quadrinhos. “Reparos” já está à venda no site braobarbosa.com/reparos por R$ 35, edição independente do Brão Barbosa. Aliás a gente tem que dizer isso, né? Que esse podcast tem algumas características. A primeira é que estamos aqui conversando entre amigos, a segunda é que a gente tem depoimentos de especialistas e quadrinistas a respeito dos temas que a gente está tratando, e o terceiro é que é cheio de spoilers, né?
Brão: Exatamente.
Ricardo: Muito bem. Vamos falar do desenvolvimento então, Brão! Você contava para gente no primeiro episódio de como as suas inspirações familiares, a tua relação com o teu avô, e também as referências todas ali que você pescou ao longo da tua vida, conduziram a essa ideia, a essa fagulha inicial. Agora a grande pergunta é: como é que se transforma inspiração em argumento? Num plot? Numa coisa que tenha começo, meio e fim? Que tenha um esqueleto de história em quadrinhos?
Brão: Como eu disse lá no primeiro episódio, “Reparos” surgiu do meu relacionamento com o meu avô. A ideia inicial veio a partir da última foto, que representa para mim a vida dele. Então, nada mais natural do que fazer uma história de um avô com seu neto. Só que em retrospecto, eu vi que as minhas histórias elas tinham poucos personagens femininos relevantes, então eu quis colocar um desses personagens pelo menos fosse feminino e optei pela criança. E como desde o início eu não tinha pretensão de fazer uma biografia, então eu queria ter a liberdade de fazer o que quisesse com as personagens, para o que melhor fosse a favor da história. Então eu decidi colocar a personagem que me representa na história, como sendo uma menina. E isso, no processo, já me economizou muito esforço porque logo no momento que eu decidi que seria uma garotinha, já me veio em mente o nome, que Eunice, que é o nome da mãe do meu avô, que ele tinha muito carinho por ela, me contava várias histórias dos dois, e tal. E é um nome que me auxiliou a contar a história, porque eu gosto de quando estou criando os personagens, colocar nomes neles que me dizem algo mais do que somente uma etiqueta neles. Então, Eunice já carregava muito significado para mim. No próprio nome do personagem que representa o meu avô, além do nome dele ao contrário, né? Meu avô chama Divar, e o personagem Ravid. Mesmo assim, eu fui procurar, porque gosto que tenha essa carga. Então, eu fui procurar se existia essa palavra em algum idioma, e eu achei que “Ravid”, no idioma da Letônia, é uma palavra, que traduzida, é um tratamento de saúde. E eu achei que casou muito bem alí, porque eu acredito que se fosse algo, tipo, sei lá?! Um significado pejorativo, ou “batata”, por exemplo, eu acho que somaria pouco à história. Eu acho que, no meu papel como autor, essa carga que a palavra já trouxe, não que tenha nada de místico, ou espiritual nisso, mas eu acho que soma ali, na hora da produção, na hora da concepção do personagem.
Fábio Yabu: Eu tento sempre começar de uma sensação, ou um sentimento.
Brão em off: Fábio Yabu é autor de “Combo Rangers“, “Princesas do Mar” e muitos outros livros e quadrinhos.
Fábio Yabu: Mas não é nem a ideia ainda, sabe? Acho que é antes da ideia. A ideia seria “garoto se apaixona por garota”. A sensação é amor, descoberta, é amadurecimento. Acho que antes da ideia eu tento trabalhar essa sensação que eu quero que permeia histórias, sabe? Que muitas vezes nem é declarada e tem gente que até nem percebe. Isso que eu acho mais importante, é isso que cria histórias mais interessantes que mesmo que não verbalizem a sua ideia original, a sua sensação as pessoas acabam percebendo. E talvez, por isso, até ressoe melhor. Acho que o não dito muitas vezes é melhor do que o dito. Quando eu quero passar uma sensação mais primordial, como medo do desconhecido, medo do escuro, medo do futuro, medo de doença… Tem muitas emoções primordiais, sabe? Que a gente pode trabalhar em histórias sem falar diretamente nelas. Aí eu vou pensando, né? Qual é a ideia ideia? Se é garota se apaixona por garota, se é, sei lá, uma viagem no tempo, ou se é zumbi, aí é o segundo plano. E muitas vezes as coisas acontecem meio que em paralelo, né? Não é que é um processo linear. O McKee, que é o meu guru de roteiros ele fala: “a mente inconsciente dirige e a mente consciente é o carro”. É o que é factível, o que é possível, o que você vê. Na verdade quem está comandando o carro é a mente inconsciente ou o subconsciente.
Gustavo Borges: Quando tu lê a história, ela é toda bonita. Ela é em tons de fábula.
Brão em off: Gustavo Borges é autor de “A Entediante Vida de Morte Crens“, das tiras de “Edgar” e “Pétalas“.
Gustavo Borges: Uma coisa pequena faz você querer contar história. E do “Pétalas” se resume em generosidade. Eu queria que fosse um grande ato de desprendimento, um grande ato de generosidade. Então eu comecei a pensar que eu queria fazer uma fábula disso. Daí quando eu pensei em fábula, eu pensei que eu poderia fazer sob os olhos de uma criança, sabe? Então aí começou a surgir a ideia de que eu queria colocar as coisas dessa forma, e imaginei que um dos maiores atos de generosidade seria no meio de uma guerra, numa área afastada, que tivesse acontecido uma nevasca, ou assim, por circunstâncias do meio, dois exércitos opostos deixassem de ser soldados e passassem a ser pessoas. E eles tivessem que andar juntos. Eu não queria entrar nessa coisa de falar sobre isso. Eu queria ficar num ato de generosidade. Então isso me veio em colocar o ato de generosidade teria que ser passado por um animal que seria a presa na vida real, para o predador. Na HQ, quem chega, aparece do nada, e faz um ato generoso é o pássaro para uma raposa. Mas esse background todo que eu criei, tu vê isso entre linhas.
Ricardo: Foi exatamente o teu caso, né, Brão? De você conseguir construir uma história a partir de um sentimento.
Brão: É. Foi um sentimento que estava procurando até à concretização dele. O processo todo da história foi até uma tradução para mim do que eu realmente estava sentindo. Esse meu luto pelo meu avô, e tal.
Paulinho: Você falou que escolheu uma menina como protagonista e isso te deu a liberdade de criar em cima dela, e modificar a história. Mas assim, como leitor, e como curiosidade, eu queria saber quanto da história é verídica, o quanto você viveu daquele relacionamento, e você colocou na história, na personagem ao invés de ser você lá participando
Brão: Na prática tem mais lampejos de realidade. Por exemplo, a oficina dele era muito próxima do que é retratado na história. Aquele caos organizado na cabeça dele. Inclusive coloquei vários equipamentos que ele realmente tinha ali. E esse deslumbramento que a Eunice tinha ao entrar na oficina, era o mesmo sentimento que eu tinha. Eu achava que eu estava entrando numa grande caixa de brinquedos e um portal ali para várias possibilidades. Porque eu passava ali algumas tardes com ele. Então eu o ajudava. Pouco, mas ajudava, enquanto ele consertava um equipamento ou outro. De vez em quando eu trazia um projeto pra ele, e a gente construía juntos. Esse tipo de coisa. Tem uma sequência muda do quadrinho, em que eles passam por diversas fases, consertando vários equipamentos. Eu vivi muito daquilo ali.
Paulinho: Foi meio que é um resumo do que você viveu com ele.
Brão: Isso. Algumas pessoas podem achar exagerado até o lance do avião ali, por exemplo, dos dois consertando avião, mas aquilo é referência…
Ricardo: Eu achei, eu achei! (risos)
Paulinho: Aquilo é referência a quê?
Brão: Ao aeromodelismo que ele praticava, e à coleção de aeromodelos que ele tinha, e que ele consertava e tal. E eu e minhas primas, por exemplo, a gente ia lá e ficava brincando: “Aquele avião é meu, aquele é seu”, sabe?
Paulinho: Que legal!
Brão: E até nesse processo, eu tenho duas primas muito próximas a mim que têm idades parecidas e no momento em que eu decidi fazer uma personagem feminina, eu entrei em contato tanto com elas como a minha irmã, que é um pouco mais nova, para saber qual foi a relação que elas tinham, a visão que elas tinham, para com essa figura do meu avô também, para não traduzir só o meu sentimento, mas fazer jus ali à personagem, à visão dela.
Ricardo: Pô, que coisa bacana. Então a própria produção continua sendo um gesto de afetividade, emotividade em relação aos teus parentes diretos ali, né?
Brão: Ah, sim! Até visões diferentes delas me ajudaram a construir melhor o personagem.
Ricardo: Que me parece um bom link para o nosso próximo assunto desse episódio, que é a construção dos personagens, dos outros personagens. O quanto tem de personagens reais, de experiências verdadeiras nas outras crianças ali do grupo? Obviamente, em uma leitura mais superficial, eles ajudam a explicar as características da Eunice e as características da relação dela com o Ravid, né? Isso aí é a coisa mais evidente. Como é que eles surgiram?
Brão: Os personagens coadjuvantes cumprem funções para direcionar a história e para fortalecer os personagens principais que são, obviamente, a Eunice e o sr. Ravid. Então eu utilizei bastante de referências pessoais e filmes da minha infância, que eu assistia, para fazer a construção desses personagens. Por exemplo, a relação que ela tem com o Júnior é uma relação baseada num dos meus filmes favoritos da infância, que é “O Pequeno Grande Time“, o nome original é “Little Giants“. Então tem a personagem que é a Icebox, que é uma personagem que eu me baseei bastante para fazer Eunice, que é uma personagem bem moleque, uma garotinha bem moleque, que no caso do filme, ela era a melhor jogadora do time de futebol americano e ela era sempre bem truncada no sentido afetivo, até que ela encontra o Júnior, que é um garoto novo na cidade que entra para o time, e ela se vê ali gostando do garoto e tal. Então o nome vem do próprio filme, a jaquetinha dele, do personagem, tem o número onze, que é o número do Júnior no filme.
Paulinho: Olha só!
Ricardo: (risos)
Brão: Por exemplo, o sr. Ravid. No momento em que eu estava construindo a história, que eu decidi que eles não teriam relacionamento familiar. Eu decidi isso porque eu precisava construir a ideia de um monstro na Eunice, para depois desconstruir isso. Então, logo que eu tive essa saída, que eu achei essa ferramenta, me veio à mente o “Esqueceram de Mim“. Em que o Kevin tem aquele primeiro embate com aquele vizinho da pá, né? A construção é bem parecida com o que eu queria. Então me baseei nele. E a Lara e o Igor são personagens que servem de um alívio cômico, e de um direcionamento, que eu utilizei algumas características de amigos próximos a mim, que me ajudaram no processo de construção. A Lara é uma referência ao meu amigo Lassmar, que é um ilustrador também, e o Igor é uma referência a um quadrinista amigo meu, que é o Vencys Lao. Que pouca gente sabe que é o nome dele real. É o João Igor. Desculpa aí, Vencys, por estar revelando o teu segredo, (risos) mas foram duas figuras que me ajudaram na construção da história, em momentos que eu tinha dúvida de como seguir no roteiro, que me ajudaram e aí coloquei algumas características dos dois personagens para auxiliar. E aí nada mais justo que batizá-los assim.
Ricardo: Muito bom! Isso aqui é uma verdadeira matéria-prima para um jogo de Trivia sobre…
Paulinho: Não, e tem muito mais, cara! O que ele espalha, o que o Brão espalha de easter eggs nesses quadrinhos… Assim, a primeira coisa que eu faço quando vejo quadrinhos do Brão, eu vou procurar placa de carro. Porque placa de carro é sempre easter eggs, é sempre referência… (risos)
Brão: Isso na verdade, não é porque “ah, eu vou colocar porque sou legalzão”, não. Mas é porque é a forma que eu acho mais fácil, e mais rápida de poder preencher lacunas do que para mim fazem falta. Então, eu vou naquilo que me cativa, naquilo que eu gosto, e vou colocando ali para poder encorpar a história.
Paulinho: Então assim, tem que deixar para as pessoas descobrirem os easter eggs.
Brão: Ah, claro!
Paulinho: Num pode ficar contando aqui, né?
Ricardo: Não, não pode.
Paulinho: Mas tem alguns bem legais.
Vitor Cafaggi: Eu nunca parei para pensar muito no meu processo de criação de personagens. Todas as vezes aconteceu de forma instintiva.
Brão em off: Vitor Cafaggi é autor de “Valente“, “Punny Parker“, “Duo.tone“, e escreveu ao lado da sua irmã Lu, “Laços“, “Lições” e “Lembranças”, as graphics MSP da turma da Mônica.
Vitor Cafaggi: Teve um quadrinho que eu fiz independente chamado”Duo.tone“, que o personagem principal é um menino chamado “Tim” e tem várias características minhas de quando eu era criança. E até a situação que ele está vivendo é parecida com algumas coisas que eu vivi. Então, desse jeito, até os nomes dos personagens surgem com naturalidade. “Tim” um apelido que eu tenho em casa. “Valente” mesmo, que é outro personagem, o nome do Valente veio de um cachorro que tive chamado “Valente”. O nome de todos os personagens coadjuvantes do “Valente” são nomes de animais que os amigos tiveram. Meu amigo que me inspirou o Esopo, teve um cachorro chamado “Esopo”. Meu amigo que me inspirou o Cacique, teve um cachorro chamado “Cacique”. Meu amigo que inspirou o Percival, teve um gato chamado “Percival”. É bem natural pensar assim, porque pra começar eu acho que eu enxergo o personagem não como personagem mesmo, alguém que tem só uma característica principal e pronto. Eu tento enxergar como pessoas, mesmo, com uma história de vida por trás, com objetivo de onde eles querem chegar e tudo o mais. No “Valente” isso é muito vivo e é muito fácil fazer isso no “Valente” já que é praticamente uma autobiografia. Teve que vir a partir de experiências que eu já tinha e com personagens totalmente inspirados em pessoas que eu já conhecia. No “Valente“, eu sei como é que cada personagem age, em qualquer tipo de situação que eu colocar eles exatamente por eles serem baseados em pessoas muito próximas de mim. E até trabalhando com personagens que não são meus, como a Turma da Mônica, eu tento colocar minha visão desses personagens.
Quando a gente teve a chance de trabalhar com a turma, uma das coisas que eu e minha irmã queríamos fazer era mostrar o que que eles eram além do que todo mundo enxergava neles. O que que o Cebolinha era além de ser um menino que troca o “r” pelo “l”? O que que o Cascão é além de um menino que não toma banho? Quais as relações entre eles? Qual a importância de um para o outro? Qual o apelido que um chama o outro? Humanizar eles mesmos e trazerem eles mais para perto da gente. Eu acho que os bons personagens, quanto mais humanos eles forem, melhor. Mais fácil da gente se identificar.
Gustavo Borges: Ao primeiro de tudo, quando eu me familiarizo com um personagem, pra eu ficar tranquilo com ele, eu tento entender como ele pensa.
Brão em off: Gustavo Borges novamente.
Gustavo Borges: Porque daí eu vou conseguir me colocar de uma forma mais confortável, fazendo aquilo, do que só mexer o personagem como se fosse uma peça para o roteiro acontecer. Tentar colocar um personagem mais como “não, eu acho que ele pensa assim, vai agir dessa forma e vai responder assim” porque eu já fui estruturando minha cabeça ao ponto que eu consigo entender quais são os vínculos, e para onde ele pensa e como ele reage a situações assim. É entender um pouco como é a dinâmica interior do personagem. Para que eu possa meio que simular ele. Como se eu fizesse um demo dele em mim e eu atuo na minha cabeça essas funções que ele vai ter que fazer. Se ele vai ter que tomar decisões, ou se ele é um personagem que tem muita responsabilidade, um personagem que quer atenção.
Vou tentar usar um exemplo do Edgard, que é meu personagem. Várias coisas que eu fui criando sobre ele, sobre o passado dele, sobre o avô dele, isso foram coisas que foram resultando de eu imaginar assim: “bom, então esse personagem, se ele teve um passado assim, ele não vai, necessariamente, se relacionar bem com pessoas mais jovens. Porque nessa convivência que ele teve com a avó dele, ele passou a ter a visão do avô dele e das coisas, e o avô dele não concordava com outras. Então ele meio que absorveu isso e cresceu com isso, ele também teve bullying na vida dele, com alguma coisa, e isso foi o resultando que ele ficou meio fechado. E tem o amor dele pela ciência…”
Então eu vou meio que fechando algumas chaves, moldando a história, com um pouco do que eu quero com o personagem. E tentando entender assim, como é que eu viro a chave do personagem para eu fazer ele funcionar sozinho. No quadrinho do Edgard não tem nada sobre o avô dele. Mas o avô dele foi uma coisa que eu sempre penso. Eu preciso do inicial dele. Entender onde ele se difere de mim, pra eu conseguir pensar “por que é que ele iria pro outro lado?” O porquê que ele agiria de forma egoísta. Coisas do tipo. E eu começo a entender como ele vai funcionar em outras situações. Bom, se ele funcionasse assim nessa, na outra situação mais na frente que talvez eu tenha que pensar, não na construção do personagem, mas quando eu estiver na história mesmo, eu não vou me embaralhar. Porque eu já entendi como a personagem funciona. Estou mais familiarizado jogar com eles, como se fosse um vídeo-game mesmo.
E outra coisa, eu começo o personagem com uma simbologia. No “Pétalas“, os personagens, eles têm uma simbologia, por serem os animais que eles são, e não necessariamente são animais. No “Edgar“, eles são os animais. Ele realmente é o castor, que seria o bicho castor, do nosso mundo real. E eu uso assim, no Edgard, o castor, o animal mais racional, que ele tem um instinto matemático quase. Ele consegue fazer coisas incríveis na natureza. Daí eu pego essa simbologia dele, e essa figura que o castor já tem. Esse intelecto cravado no instinto dele. E no “Pétalas” são os animais que eu desenho ali, mas a ideologia daquele animal, a fisionomia a dinâmica entre um animal ser predador e outro animal ser presa, isso é a simbologia que eu queria colocar para aqueles dois seres. Porque não gostaria de representar humanos naquela história. Então eu criei uma simbologia para colocar em cima deles. Isso também já causa quase como uma vestimenta pra também guiar as personagens.
Lu Cafaggi: Pegando coisas que já existem e me colocando nelas também.
Brão em off: Lu Cafaggi fala sobre a criação dos personagens de “Mix Tape” e da biografia de Bruna Vieira.
Lu Cafaggi: Mesmo em “Mix Tape” sendo personagens completamente fictícios, tudo é com referência em pessoas que eu conheço. Mesmo que uma personagem de “Mix Tape” não seja uma pessoa real, todas essas pessoas que a gente coloca num quadrinho vêm das pessoas que existem. Vêm de experiências convivendo com estas pessoas, vem de observar o jeito delas de ver a vida mesmo, de reagir às coisas.
No caso da Bruna, por exemplo, a personagem principal é ela. Os outros personagens são fictícios completamente. Mas todos eles, incluindo a Bruna, são baseados em pessoas da minha adolescência mesmo. A Bruna passa por coisas que eu passei. É tudo uma mistura de observação de que as pessoas são, e de quem eu sou. Mas não de um jeito “ah, vou me colocar aqui como um indivíduo que é muito importante, meus gostos são importantes, meus sonhos são importantes”. Não assim. É mais em relação a trabalhar os sentimentos e a trabalhar a aceitação que a gente tem com os nossos erros, nossos defeitos…
Ricardo: Agora, tem uma coisa que não é um easter egg, mas é uma coisa grande, uma coisa evidente, que assim… Eu sou testemunha de que quando o Brão começou a preparar “Reparos“, ainda não havia “Stranger Things“, não havia “It: A Coisa“, essa onda incrível de crianças andando de bicicleta…
Paulinho: Atrás de coisas estranhas.
Ricardo: Atrás de coisas estranhas… (risos)
Quanto dessa, você já falou um pouquinho disso, queria que você aprofundasse até na construção do roteiro. Se você conseguir ver se esse parentesco com o cinema te inspira para além dos easter eggs, pra além das referências.
Brão: Sobre esse aspecto de referências, “ah, o filme ‘tal’ utilizou essa ideia primeiro, e tal”. Por exemplo, nesse caso o mesmo. “Stranger Things” foi lançado dia 15 de julho de 2016 e eu comecei a escrita de “Reparos” no dia 15 de agosto do ano anterior. Então por mais que… Bom, só estou lançando o livro agora. Quem vê logicamente vai fazer a assimilação e tal. Mas assim, o próprio João Marcos, que é um autor bem próximo a mim, foi meu professor de quadrinhos na faculdade, ele fala algo bem similar a isso.
João Marcos: Eu acredito que quem trabalha com criação ficar atento aos sinais que estão em torno da gente.
Brão em off: João Marcos é professor e quadrinista. Seus personagens mais conhecidos são Mendelévio e Telúria. E é roteirista da Mauricio de Sousa Produções.
João Marcos: No caso, o que eu chamo de sinais são as ideias. Às vezes esses sinais aparecem de surpresa, de um tema que eu não estava pensando inicialmente, vem de uma leitura, vem de uma experiência do dia a dia. Às vezes eu vejo uma imagem e fico imaginando desdobramentos que podem surgir dela, que vão me contar uma história. Como o meu público é o infantil, eu fico muito atento às crianças que estão à minha volta. Os meus filhos. E por causa do trabalho com os livros, eu costumo visitar muitas escolas. Então eu fico muito atento, procurando essas ideias. Às vezes essa história vem completa, às vezes ela vem de surpresa e às vezes ela vai sendo construída aos poucos. E quando eu estou trabalhando num livro e eu tenho outras ideias, eu vou guardando todas elas. Por exemplo, eu comecei a trabalhar no livro novo com os meus personagens, o Mendelévio e a Telúria, o que será o terceiro livro. Então eu peguei a minha pasta e estava cheia de papéis. E é impressionante quando eu falo a questão da história vir pronta, ela acha lugar na cabeça da gente porque tem um espaço ali pra ela habitar. E eu acho que o espaço vem por esse esforço, por esse conhecimento, por essa busca de entender como é que se conta uma história. Você pode ter uma ideia fantástica, mas se não tiver os meios pra executar, você fica perdido.
Brão em off: Samanta Flôor, autora de “A Canção de Ada“, “O Astronauta de Pijamas“, “Chance” e outros, é bem prática ao ser questionada sobre seus insights.
Samanta Flôor: Eu não tenho insights, na verdade. Eu tenho uns caderninhos e qualquer ideia, qualquer bobagem que me surge, eu vou anotando ali.
Brão em off: Cris Eiko, sobre as ideias para os “Quadrinhos A2“.
Cris Eiko: Às vezes acontece umas coisas inusitadas e ele só vai anotando. E às vezes é algo muito engraçado, ou é uma ideia que ele teve que não aconteceu, mas que por causa de algo que aconteceu com a gente ele teve essa ideia. Por exemplo, no A2 #4 tem a história que o Pino se transforma em outros animais. Isso acontece porque toda vez que a gente vai sair o Pino, o Pino se transforma. Ele normalmente aqui em casa é essa coisinha meiga assim, que passa o dia dormindo. Aí quando ele sai na rua vira uma fera. A gente fica apelidando ele de “tubarão”… As quase vítimas dele já chamaram ele de filho do capeta.
Laudo Ferreira: Eu sou totalmente contra essa coisa de falar “ah, eu tenho inspiração…” Não!
Brão em off: Laudo Ferreira.
Laudo Ferreira: Até a minha inspiração, vamos dizer assim, ela é uma coisa matemática. Se for para levar uma coisa assim, “inspiração”, eu tenho que estar inspirado o tempo todo.
Zé Wellington: Na maioria das vezes, quando eu tenho um insight é quando estou vendo outra coisa. Estou assistir em determinada obra, lendo determinado livro.
Brão em off: Zé Wellington é roteirista de “Quem Matou João Ninguém?“, “Steampunk Ladies” e “Cangaço Overdrive”.
Zé Wellington: Acontece muito de eu estava vendo uma coisa, e eu começo querer adivinhar o que vai acontecer. Mas às vezes, a gente está assistindo aquele filme, eu imagino como acho que seria legal o final do filme, e para minha sorte a história toma um caminho completamente diferente. Por que que eu digo “pra minha sorte”? Porque normalmente quando isso acontece, imediatamente eu pego um papel e anoto aquela ideia, e provavelmente vai sair uma história daquilo. “Cangaço Overdrive”, que vai sair no início de 2018, ela vem de uma paixão que tenho por “Samurai Jack“. E “Samurai Jack” tem muito daquela história de deslocamento do samurai para futuro. E eu pensei “pô cara, seria tão legal se fosse com um cangaceiro”. E criei uma forma diferente. A história não tem magia como tem no “Samurai Jack“, mas partindo dessa premissa, acabou vindo esse meu insight inicial e vem de lugares mais caóticos e absurdos possíveis.
Brão em off: Eduardo Damasceno também é bem cético quanto ao conceito de “dom”.
Eduardo Damasceno: Não existe isso, né? Inspiração, essas coisas… Eu acredito muito que são coisas que não são necessariamente nossas. Elas passam pela gente. Então, o que tem que acontecer é a gente está afiado pra tocar essa música quando ela passar. Meu trabalho é treinar desenho, treinar fazer quadrinho, é estar sempre caminhando para que quando as coisas chegarem até mim, eu consiga deixá-las passar por mim.
Eu acho muito danoso esse papo de “dom”. Não é assim que funciona a vida cara, cara! (risos) As coisas não são mágicas! O que você quer dá trabalho. Dá muito trabalho. Não é só querer, e não é nascer com isso. É um meio termo aí que você tem que entender que se você quer fazer isso você tem que se dedicar a isso. E aí tem todo aquele problema: tem pessoas que podem se dedicar a isso, tem pessoas que não podem se dedicar a isso, por questões sociais, por questões diversas. E acho que é parte do meu trabalho tentar criar oportunidades para quem não tem elas ainda. Porque eu realmente acredito que todo mundo consegue.
Lillo Parra: Eu acho muito engraçado o pessoal falar assim: “pô, da onde você tira tanta ideia? Eu queria ter uma ideia assim!” Cara, ideias assim, qualquer pessoa tem em qualquer hora do dia.
Brão em off: Lillo Parra mostra como qualquer um pode ter ideias para uma história.
Lillo Parra: As pessoas acham que “ah, eu tive essa ideia. Veio pronta. Pum! Saiu o gibi.” Não, não. Você tem uma ideia de nada. Uma bostinha de uma ideia. E é em cima disso que você trabalha. Em cima disso que você estrutura. Você tem um insight, eu tive a ideia, “pum!” Meu, preciso escrever sobre isso. Cara, vai pesquisa, vai assistir filme, vai ler livro e vai trabalhar aquilo e vai trabalhar, vai trabalhar, não existe ideia mirabolante. Você precisa ler de tudo, você precisa ler livro técnico, você precisa ler coisas que não tem nada a ver com aquilo, você assistir filmes, você precisa na verdade, adquirir muita cultura. E muita cultura, num estou dizendo que você tem que ir em teatros, em cinemas, nisso e naquilo. Não só isso. Você tem que parar na rua, entendeu? E ficar vendo o pessoal jogando truco na Praça da Sé. Comer pastel na feira da Liberdade, pegando ônibus pra diabo, e na verdade, o artista tem a capacidade de sintetizar esse monte de experiências em um objeto artístico, em um produto cultural.
Larissa Palmeri: O processo todo de desenvolvimento de uma história, antes de qualquer coisa, requer muita bagagem, tanto cultural, quanto de vida.
Brão em off: Larissa Palmeri, é co-autora de “Periferia Cyberpunk” e “Space Opera“.
Larissa Palmeri: Todo mundo tem uma bagagem de vida, mas eu acho que as pessoas têm que aprender a identificar as próprias experiências que podem ir pro papel. Como identificar no nosso cotidiano, e as referências que eu poderia trazer para as histórias que eu escrevo. Eu nunca tinha parado para contar história. E eu percebi que na hora de desenvolver, vai muito de você, né? Muito da sua percepção de mundo, das coisas que você já viveu.
André Diniz: Um monte de história maravilhosa aí que você vai ver, que se você for lá na gênesis, o argumento não tem nada!
Brão em off: André Diniz tem diversas publicações, sendo “Morro da Favela” a de maior projeção.
André Diniz: Às vezes é o quê? “Ah, um rapaz conhece uma garota, fica apaixonado, tenta ali… e pronto! E aí ela não quer… até que os dois passam a namorar” Em muitos casos não é tão óbvio assim, mas se você for ver, a ideia central ali é uma ideia simples. E se essa ideia simples está sendo narrada de uma forma diferente, está sendo usado um outro cenário, os personagens são extremamente carismáticos e apesar da ideia inicial ser pobre, mas os personagens não são previsíveis… A questão da soma de ideias.
Às vezes a ideia inicial em si não tem nada de mais. Mas aí você vai acrescentando isso aqui, isso ali… O Marcatti tem uma analogia ótima. Da sopa de pedra. Que você esquenta a água, põe uma pedra, aí você coloca uma cebola, coloca isso, coloca assim, dá um toque disso, dá um tempero e tal. Depois tira a pedra, o que fica ali dá uma sopa maravilhosa. Às vezes o argumento ruim, o argumento fraco é a pedra da sopa. Às vezes tem o seguinte também, às vezes tem um argumento fraco inicial, que ele te impulsiona a vir e tal, você cria um personagem interessante, põe um cenário assim, no final a história está pronta e aquele argumento inicial nem é mais a história que você fez.
Raphael Fernandes: Eu acredito que boa parte das obras que são tidas como originais, e tudo mais, nasceram de ideias não originais.
Brão em off: Raphael Fernandes é roteirista e editor da Editora Draco. Autor de “Ditadura no Ar” e “Apagão“, conta um pouco sobre seu processo.
Raphael Fernandes: Todo mundo gosta de perguntar para quem cria: “Da onde vêm as ideias?” É uma mistificação da criatividade. Porque a maior parte das pessoas não prestam atenção nas coisas que estão acontecendo em volta delas. E escrever e criar, basicamente é estar atento a tudo isso, e se incomodar com as coisas. As aspirações para as histórias estão em toda parte, o tempo todo. Todo mundo produz arte e cultura, tem que consumir todos os tipos de cultura. Você tem que ir ao teatro, você tem que ir ao cinema, não só ver os filmes que tem a ver com as coisas que você gosta. Ler livros diferentes, ter experiências de vida diferentes. Eu acho que experiência de vida é o grande lance para quem conta histórias. Você tem que ser o tipo de pessoa que se coloca em situações até um pouco constrangedoras para ver até onde elas vão. Por exemplo, se você está na fila de um banco e aí uma senhora que vai reclamar muito do que está acontecendo. Você presta atenção nela, conversa com ela, pergunta por que ela está nervosa, eu faz essas coisas. (risos)
Tem um escritor, chama Diego Morais. Ele fala um negócio muito importante: “um escritor que nunca dormiu na sarjeta, não serve para nada”. Tem que estar convivendo com as pessoas. Você tem que estar inserido na sociedade. Vai arrumar uma briga na rua, vai pra praia sem levar protetor solar, faça coisas que tragam experiência de vida para você. Se não, sua história vai ser um saco! Você não vai ter nada a contar.
Brão em off: Raphael continua falando sobre suas técnicas, em especial, de Ray Bradbury, escritor de ficção-científica e fantasia.
Raphael Fernandes: Eu sou um adepto do Ray Bradbury e o método dele era o seguinte: consistia em cadernos em que ele anotava palavras essenciais para ele. Então, por exemplo, ele trabalhava muito com histórias de terror e fantásticas. Então ele pensava: “quando era que eu tinha medo de circo. Por que eu tinha medo do circo?” Aí ele fica tentando lembrar daqueles sentimentos originais que ele tinha quando era criança, e buscar uma palavra chave com relação a isso. Por exemplo, ele pensava: “caramba, eu tinha medo do circo por causa do tigre”. Aí ele anota “tigre”. “Porque dava uma sensação de que estava num sonho”, aí ele anota “sonho”. “Era tudo meio artificial”. Anota “artificial”. Ele juntava esse monte de palavras elementares e no fim, ele tinha esses cadernos com essas palavras e quando ele estava precisando escrever uma história, ele revisitava, ou ele fazia uma lista dessas, e ficava olhando para essas palavras e amarrando elas tentando dar uma lógica para elas, e criar uma história nova a partir disso. E essa busca por sentimentos elementares, de coisas que você sentiu na essência, quando você era criança, coisas que você tinha muita saudade, ou medos muitos simples, que tornavam a obra dele tão poderosa. Como editor eu vejo muito isso. O cara tem um personagem que claramente não é o herói, não tem apelo pra isso. E aí ele não tenta mudar o ponto de vista. Talvez o amigo dele seja o cara legal pra contar a história. Até me arrisco quando eu faço isso. Acho que as pessoas esperam muito o óbvio. E quando você tenta buscar um ponto de vista diferente, isso até incomoda.
Por exemplo, no “Apagão“, eu tentei colocar no primeiro volume a narração sendo contada por alguém totalmente insuportável. Que eu mesmo odeio. E alguns leitores acharam: “pô, o cara vacilou. O cara tinha um personagem mó forte lá, o Mandril, e colocou um cara mó chato contando a história”. Por outro lado, vi outras pessoas falando “eu tenho a sensação de que ele escreveu esse cara pra gente odiar ele. E deu muito certo”. (risos) E é. Foi isso que eu fiz. A questão de ser o herói não torna ele heróico. Ele na verdade é o cara que é transformado durante a história.
André Diniz: Quando está naquela fase das ideias, de ver exatamente qual que é a história, o tema é esse, não é, e abordagem, qual é, mas isso aqui tal, não está bom, qual o rumo que eu vou tomar? Essa parte é um pesadelo.
Brão em off: André Diniz continua.
André Diniz: O desesperador é justamente isso. Esse pré momento ali de sentar e escrever, isso não tem técnica. Isso cada vez sai de uma forma diferente. Ajuda muito nessa hora é saber fazer as perguntas certas. Às vezes você está com uma ideia, a coisa está tomando forma, mas aí, mas aí, mas por que que não está ainda… Por que que eu ainda não estou acreditando nessa história? De repente a história vai ser aquela mesma ali, mas eu estou focando em um personagem, quando o protagonista na verdade é outro. Eu estou justamente nesse processo agora, com uma história que eu estou fazendo, e cheguei até a começar a desenhar umas páginas, está tudo OK, mas não está. E aí fica ali alguma coisa que te impede. “Por que que eu não estou muito a fim de sentar e desenhar essas páginas?” e começa a ficar claro que está faltando alguma coisa, que há alguma coisa ali de errado nisso tudo. No caso dessa, por exemplo, eu fui me dar conta depois. O protagonista, ele está muito passivo. Está vindo as coisas a ele e ele reage. Isso é uma premissa fraca pra uma história, né? Mas até me vir isso, até ficar claro no meio de um monte de fatores, é um tormento isso. (risos) O que pode chegar mais perto de técnica nessa primeira etapa é escrever. Sentar e escrever. Vem vindo as ideias soltas e eu vou anotando todas. Por exemplo, eu anotei umas ideias partindo do princípio que o protagonista é homem, ou que morre no meio da história. E aí depois eu começo a colocar outras ideias partindo do princípio que o protagonista é mulher, que vive até o fim. As ideias vêm e eu vou jogando. Depois, quando parece que vai sair uma história dali, aí eu começo a peneirar, começo a ponderar. Começo a decidir pra que lado que eu vou. (risos) Esse é o momento do caos. (risos) Acho que dificilmente de uma ideia sai uma história. Pode vir uma ideia ali do ponto de partida, mas ela vai precisar de várias outras ideias juntas pra ganhar um corpo de história. “Ah, a minha história é sobre isso” às vezes vem uma ideia interessante, de um tema interessante, mas que já foi abordado várias vezes, e de repente a ideia vem quando eu sento, quando eu tenho uma história, vem a ideia desse tema, casado a uma outra forma de contar. Antes de eu fazer o “Morro da Favela“, a biografia sobre o fotógrafo Maurício Hora, lá do Morro da Providência, eu fiz esse roteiro em 2009, por aí. Minha metodologia depois de soltar as ideias era sentar no Word e sair escrevendo. Quer dizer, a partir dali eu comecei a ver que eu precisava de mais. Tinha uma série de depoimentos do Maurício que eu podia dar qualquer abordagem pra aquilo. Foi nesse momento que eu passei a usar, a estruturar em roteiro de cinema. Na época eu usava o CELTx. O roteiro pra cinema tem uma formatação toda específica, né? Que você tem que seguir. Roteiro pra quadrinho não. Principalmente que eu estava fazendo pra mim mesmo. Mas ali, o que me ajuda muito é a forma de organizar as ideias. Você separa os trechos por cena, você reorganiza essas cenas, você acrescenta ações ali que não vão entrar no texto final, marca com uma cor cada cena dependendo do critério, então isso me ajudou muito. E a partir daí eu passei sempre a usar um software pra organizar as ideias. Hoje eu uso no iPad Pro o OneNote, eu uso também tanto texto, como pra fazer anotações à mão como se fosse escrevendo no caderno, e aí digito, puxo seta, risco ali. E também uso em paralelo um aplicativo de como se fosse aquelas fichas que você escreve e organiza. Então isso me ajuda muito também. Às vezes o roteiro está confuso demais aí eu passo pra um outro. (risos) Me ajuda muito isso. Mudar de processo, a ferramenta de pensar, o roteiro, de pensar, às vezes me ajuda também. “Tá complicado desse jeito? Então vamos tentar aqui, por esse outro caminho”. (risos)
Ricardo: Você falou um pouco da construção do roteiro, de como é que você encadeou a sua história. Agora como curiosidade, você teve que cortar muito? Porque uma coisa que é clássica, por exemplo para um jornalista como eu, é que o jornalista gosta de escrever e o editor gosta de cortar, né. (risos) O prazer do editor é cortar. Como é que é ser o seu próprio editor? Como é que foi esse processo de você se debruçar sobre o roteiro e falar “não tem uma ‘barriga’ aqui, tem que cortar, tem que aprofundar” ou quão aflitivo isso é?
Brão: No meu processo, pelo menos, ele se inicia de sinopses pequenas e aí o roteiro vai tomando corpo, e aí depois ele tem que ser “enxugado”. A maior parte do processo eu fiz de forma totalmente independente, então eu fui ali crescendo o roteiro, crescendo a história cada vez mais, eu por iniciativa própria, fui cortando ali o que eu achava que estava de “gordura”, de excesso ali na história, para que ela funcionasse melhor. Mas nos “finalmentes” ali, eu ainda não estava satisfeito totalmente e eu convidei o Eduardo Damasceno pra poder me auxiliar ali e ele me editou no processo e cortou muito mais coisas. Teve balões que foram completamente retirados, e isso fez uma diferença incrível na história.
Paulinho: Uma fluidez, né?
Brão: Caramba! Tem que agradecer muito o Damasceno pro causa disso.
Rircardo: É, o olhar externo é sempre útil, né? Porque a gente acaba ficando com o olhar viciado, ali na história
Brão: É aquele processo de criação. Primeiro você acha que tem uma ideia incrível, no meio do processo você está odiando, mas você caminhou demais para desistir e aí no final você começa a se apaixonar pela história novamente.
Paulinho: Que legal.
Lillo Parra: Descatar, isso eu aprendi com o André Diniz. Ele falou assim: “Escreva tudo o que tem na sua cabeça, mas tenha ciência absoluta que você vai precisar cortar”.
Brão em off: Lillo Parra de volta.
Lillo Parra: E sai cortando sem dó nem piedade. Se não é necessário, corta! Corta cena, corta diálogos. O “La Dansarina” depois que o Jeff desenhou, antes de ele colocar os balões de texto, eu falei: “manda pra cá que eu vou mexer no texto inteiro”. Eu fui retrabalhando cada um. Eu falei assim: “esse balão entra, esse balão não vai, esse balão é modificado, esse que estava no quadro 2, vai para o quadro 4”. Não foi mudada a história, mas teve sequências inteiras que falava na página inteira que viraram sequências mudas, porque não precisava da palavra. Então escrever é saber cortar.
Ricardo: Você tinha falado que a fagulha inicial partiu justamente da cena final do livro, mas você sabia desde o início como a tua história iria acabar, como o álbum ia acabar.
Brão: Eu queria que o final fosse a foto, que é. Mas eu não sabia necessariamente como chegar lá. Eu sabia onde queria chegar, mas até chegar nesse destino, muita coisa vai mudando.
Cris Eiko: Às vezes você tem uma ideia e ela vai se transformando em algo melhor ou pior e você tem que descartar, começar de novo.
Brão em off: Cris Eiko sobre sua publicação “Culpa“.
Cris Eiko: Foi a minha primeira experiência escrevendo um roteiro. Eu tinha mais ou menos uma ideia que basicamente está lá no “Culpa“. Tá a criança desenhando e acontece da outra ficar com raiva e enfim, destruir o desenho. Isso é baseado em algo que aconteceu mesmo comigo. No caso eu sou o irmão mais velho. Ele ia lá, mexia no passado dele e o negócio só piorava. Aí eu pensei: “mas pô, porque eu preciso desse cara? Porque eu não conto só o que aconteceu lá realmente, né?” Aí eu fui mudando, na verdade eu descartei essa história pra tentar fazer algo novo uma três vezes, mas isso aí ajudou a condensar a história e a focar só nas crianças mesmo e não colocar um adulto que volta no tempo arrependido, nem nada. E ficou bom.
Brão em off: Laudo mostra como uma obra pode sofrer mudanças até por limitações editoriais e de veiculação.
Laudo: No caso do “Cadernos de Viagem“, ele foi uma ideia que me foi proposta. Inicialmente era para ele ser uma web comics semanal, uma página. Num segundo momento, veio uma proposta de participar de uma revista eletrônica. Aí o começo desse livro, era uma primeira história dessa revista, depois eu acabei fazendo dela uma tira que eu publiquei na Folha de São Paulo, naquele quadrão. E aí que eu resolvi pôr no Proac e quando passou, eu redesenhei tudo. Mudei o concept do personagem. Pra você ver que tudo isso que eu estou te falando, é técnico, maturação da história. Porque se a revista eletrônica fosse ter uma vida, a história, o jeito que ela começa é mais ou menos semelhante ao jeito que começa no álbum, mas elas tomavam rumos completamente diferentes porque ela foi pensada naquele momento como uma série, no caso eu precisei condensar. Ah vou fazer um livro com duzentas páginas, sendo que eu tinha dez meses para desenhar. Eu consigo fazer duzentas páginas em um ano? Ah tem caras que conseguem, o meu trabalho não dá. Não é só rabiscar, tem toda uma preocupação. O “Yeshua“, no último livro, um percentual grande dele foi pensado em como que o leitor ia reagir àquilo. Naquele momento que a Maria Madalena tá ali na crucificação de Jesus, ali, ela tem uma epifania, vamos dizer assim. Ela entra num estado alterado de consciência. O leitor é transportado, é tirado daquela cena da crucificação e é levado para aquela caverna, que é uma analogia com a caverna de Platão, aquilo foi pensado no leitor. As pessoas falam: “Ah, todo mundo sabe o fim do livro, né, Laudo? O herói morre no fim”. (risso) E aí eu falei assim: “Todo mundo quer isso na história de Jesus, mas então eu vou tirar gostinho (risos) do leitor”. Eu vou fazer uma sequência em que o leitor sabe que ele está na cruz, do lado de dois caras, que ele morre, que ele fala aquelas coisas, todo mundo sabe isso. Então eu vou trabalhar com o inconsciente do leitor, já tendo isso, aconteceu isso, só que enquanto isso tá acontecendo, uma pessoa que está ali perto dele, que é a Maria Madalena, vai ter uma epifania, e ela vai entrar num outro estado onde vai existir uma analogia entre a igreja católica e as adorações, e o que realmente você tem que buscar. Quando eu pensei nisso, no mesmo momento veio essa ideia de Platão, que é fazer essa analogia dos caras dentro da caverna, não estar enxergando a realidade. Achei essa ideia tão diferente e ao mesmo tempo eu fiquei meio preocupado com isso. No primeiro momento, houve apenas essa brincadeira: eu não vou dar o gostinho ao leitor de ver Jesus morrer. De uma maneira que se eu contar pro leitor que acontece isso, eu vou estar entregando, eu estrago a leitura da obra. Técnica, eu não vou fazer isso agora, porque eu quero fazer isso, e isso, isso, isso. Tem que ter esse trabalho, tem que ter esse trabalho.
Brão em off: Eduardo Damasceno sobre a mutação que suas obras sofreram.
Eduardo Damasceno: A gente começou a pensar que a gente queria fazer uma ficção científica. Aí um dia o Lipão falou: “Nossa, sonhei com um menino na frente do espelho. Ele tinha um buraco negro na barriga”. E a gente começou a conversar, mas porque que ele tem um buraco negro na barriga, tal? E virou o “Achados e Perdidos“, ou seja, não tem nada de ficção científica. No “Cosmonauta Cosmo” a gente pensou não necessariamente fazer um quadrinho para criança, mas fazer um quadrinho que não tivesse nenhum tipo de restrição. Porque o “Achados e Perdidos” foi muito legal, e a reação das crianças foi muito legal. Aí os pais sempre perguntavam: “Ah, as crianças podem ler isso aqui?” aí eu falava “pode! Tem uns dois ou três palavrão”. Aí eu falei, “ah, quer saber? Vamos fazer um livro que não tem nem dois ou três palavrão para não ter que não falar nada para os pais, só deixar os meninos levar o livro?” Só que a gente não sabia o que, só ficou na cabeça. Aí num caderno de esboço meu, desenhei um menininho, um astronauta, e escrevi cosmonauta cosmo, assim do lado, e ele falou “Pô! Cosmonauta cosmo, ta aí, vou fazer essa história aí!” e aí a gente fez. O “Quiral” já é um universo que a gente tem todo pensado, são sete livros e tal, só que não ia dar tempo de fazer isso, e falamos ah, vamos contar histórias então dentro desse universo? Vamos. Aí a gente fez o “Quiral” que é uma história dentro desse universo que a gente já pensa para uma coisa maior.
Brão: Eu comecei a escrever dia 15 de agosto e só um mês depois, no dia 08 de setembro, que eu tive a ideia de colocar uma característica que é tão marcante na história que é o fato da Eunice gostar tanto de fotografia, e só então que eu tive a ideia de colocar essa característica no personagem.
Ricardo: E que é um link que vai conduzir para o desfecho da história, né?
Brão: Porque seria muito vazio ter uma história que não tivesse nenhuma ligação com isso, e no final , aparecesse uma foto lá do nada. Então eu tinha que construir todo esse percurso para que no final fizesse sentido. Então por isso que a Eunice tem essa característica.
Paulinho: o legal do avô não gostar de foto e ela não tirar foto dele na última cena, é bem interessante também.
Brão: Isso, respondendo sua pergunta anterior, é uma característica de fato do meu avô.
Paulinho: Ah é?
Brão: Ele não gostava de ser fotografado. A gente tem algumas fotos dele. Ele gostava de fotografia, mas ele gostava pouco de retratos. Ele não gostava de aparecer em vídeos… então em alguns aniversários que tem filmagens, a gente vê que ele tá no fundo assim da cena e começa a sair, começa a entrar debaixo da mesa (risos). Essa é uma característica real do meu avô.
Ricardo: Muito bem, agora temos uma HQ sobre ele, né? Vai puxar teu pé à noite, Brão. (risos)
Brão: Vai, vai sim (risos).
Ricardo: Muito bem, amigos. Esse aqui foi o segundo episódio da série de cinco programas sobre a HQ “Reparos” do Brão Barbosa. A gente está comentando aqui semanalmente os bastidores da produção do álbum e também do fazer quadrinístico. Bonito, né? “Fazer quadrinístico”. Carnasiano isso, quase. Muito bem, na semana que vem a gente vai voltar para falar de mais detalhes da produção e dessa vez, ali do processo mesmo de se botar uma HQ de pé. A gente espera que você já tenha lido, né? Porque senão você se ferrou, né? A gente deu um monte de spoiler! (risos)
Paulinho: E se você só leu a versão digital, tá na hora de comprar a física também.
Ricardo: Cria vergonha na cara, né velho? Põe a mão ali no papel, tato, é importante.
Paulinho: O cheiro.
Ricardo: O cheiro, exatamente.
Paulinho: Papo de velho. (risos)
Ricardo: braobarbosa.com/reparos e na semana que vem a gente volta pra falar sobre o processo de produção, o tempo que leva, capa, cor, todos esses detalhes saborosos ali, especialmente para quem curte quadrinhos. Muito obrigado, Paulinho Degaspari pelas suas brilhantes intervenções.
Paulinho: É nóis.
Ricardo: Certo, Brão Barbosa, você também sempre muito bem vindo no seu próprio podcast.
Brão: Pô, que honra.
Ricardo: É isso aí, então semana que vem a gente volta. Até!
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Ricardo: Olá, senhoras e senhores, eu sou Ricardo Alexandre e esse é o primeiro episódio da série de podcasts sobre o álbum “Reparos“, o álbum novo do Brão Barbosa, o terceiro álbum de Brão Barbosa, “Reparos“, e essa aqui é uma série que a gente fez pra contar os bastidores da produção desse álbum em quadrinhos, do mineiro Brão Barbosa.
Brão: Sim, sou eu!
Ricardo: E também aqui com a gente na mesa está Paulinho Degaspari. Tudo bem com o senhor, Paulinho Degaspari?
Paulinho: Olá!
Ricardo: É um prazer estarmos nós três aqui juntos, em trajes sumários, (risos) em volta dessa mesa, pra falar um pouco de como é que foi a construção desse álbum que já está à venda no site braobarbosa.com/reparos. Uma produção independente de Brão Barbosa.
Paulinho: Bom, só pro pessoal saber, eu aqui, o Paulinho, eu sou amigo do Brão, por isso que eu estou aqui. Eu fui convidado… O Ricardo é especialista, especialista em tudo…
Ricardo: Eu estou aqui pelo cachê, né?! Só! (risos)
Paulinho: Ricardo é jornalista, foi criado com quadrinhos e tal. Eu fui ter mais contato com quadrinhos na idade adulta. Quando criança, Turma da Mônica, pouca coisa de Disney, depois eu fui ter contato com outras obras, principalmente graphic novels…
Ricardo: Com os presentes de aniversário que a gente te dava, né, Paulinho?!
Paulinho: Exatamente! Ganhei um do Brão, ganhei um do Ricardo! (risos) Exatamente! (risos) E assim, eu sempre curti muito ler, mas não necessariamente quadrinhos. Então assim, eu faço aqui o papel da pessoa que não está tão familiarizada com esse mundo. Então algumas perguntas que eu vou fazer vão ser meio nesse sentido.
Ricardo: É o Boris Casoy no Oscar, né? (risos)
Paulinho: Isso! Ou a Glória Pires, né? Que não tem nada a acrescentar sobre isso. Mas pelo menos pergunta eu vou saber fazer. Espero.
Ricardo: Muito bem! E essa série de cinco episódios aqui do podcast de “Reparos” a gente vai falar de assuntos que explicam um pouco da produção de “Reparos“, mas que também sirvam pras pessoas que tem interesse de como se faz uma HQ, uma história em quadrinhos. Talvez não tão boa quanto “Reparos“, mas a gente, né?! (Risos)
Brão: A gente espera que não, né? (risos)
Paulinho: Elas podem tentar chegar lá, né?
Ricardo: Exatamente! Nesse primeiro episódio a gente vai falar um pouco do que se faz antes do começo do trabalho mesmo, os primeiros passos pra se botar uma história em quadrinhos de pé. E conta pra gente, Brão, o “Reparos” na verdade, ele surge de quando e de onde veio a fagulha inicial pra esse teu novo álbum?
Paulinho: Mas antes de você responder, é bom lembrar que, esse episódio contém spoilers, né? Esse podcast contém spoilers…
Ricardo: Essa série toda, né? É um estraga prazer!
Brão: É um making of, né? (risos)
Paulinho: Então se você não leu o livro ainda, não continue agora. Leia o livro.
Ricardo: É, pára agora…
Paulinho: E depois você vem pra ouvir aqui a inspiração e como que foi a história real por trás da ficção.
Brão: É, e no site que o Ricardo mencionou tem tanto a opção da pessoa comprar o livro, como até baixar o arquivo digital lá. Então não tem desculpa, né?
Ricardo: É muita moleza, né? (risos)
Brão: “Reparos” é baseado no relacionamento que eu tive com meu avô materno. A gente era bem próximo, apesar de que, ele era um sujeito bem peculiar, assim. Então as pessoas que não o conheciam tão profundamente, tinham certo receio de aproximação com ele, porque ele era bem fechado. Então ele causava, às vezes, certo medo em algumas pessoas. Só que conosco, que éramos mais próximos dele, ele era, do jeito dele, da forma dele, um sujeito bem afetuoso e bem peculiar.
Ele era um cara que em todo momento ele estava tentando se atualizar. Ele começou desde cedo com o conhecimento de eletrônica, de elétrica e fotografia… Até o final da vida dele, ele continuava mexendo com computador, com a fotografia dele… Inclusive, por causa dele que eu trabalho hoje com comunicação, com imagem, foi ele quem me ensinou a mexer no Photoshop, por exemplo.
Paulinho: Olha só…
Ricardo: Que demais!
Brão: É, eu ia na casa dele e ele chegava: “Ôh, meu filho, vem cá procê vê. Tive que formatar meu computador, comprei essa placa e esse HD novo e tal” e eu mesmo nem entendia muita coisa… (risos)
Paulinho: E assim, ele migrou bem do analógico pro digital?
Brão: Cara, migrou.
Paulinho: É?
Brão: Porque ele nunca ficou desatualizado. Ele sempre estava se mantendo a par aí das novidades. E aí, no final da vida dele, ele se adoentou e teve que se internar. E nesse período eu já não morava lá na minha cidade natal, que é Governador Valadares, no interior de Minas. Eu já estava aqui em São Paulo, em Jundiaí. E meus familiares, meus tios, minha mãe me mandavam fotos dele no hospital pra gente estar a par dos acontecimentos e em um determinado momento ele passou a estar inconsciente e aí mesmo assim eles continuaram me mandando fotos, então era um cara muito ativo na minha memória, porém na foto, um cara acamado… Então assim, na minha cabeça não fechava, entendeu?
Ricardo: Sim.
Brão: E aí no momento em que minha esposa e eu fomos visita-lo, quando eu vi ao vivo, aí sim que as coisas não fechavam mesmo. E aí eu quis ter uma lembrança dele, então eu quis tirar uma foto. Mas aquele corpo acamado ali não me dizia muita coisa, sabe? Porque ele, como eu disse, era um cara muito ativo, e tal. Então o que mais me pareceu próximo ao avô que eu conhecia era o monitor cardíaco que estava ao lado dele. Que obviamente estava marcando a movimentação do coração dele, então os últimos sinais de vida dele ali, e ligado com a máquina, com elétrica, eletrônica, algo que sempre simbolizou bastante pra mim a vida dele. Então registrei naquele momento o monitor cardíaco em operação, e foi a última memória que eu tive dele.
Meses depois eu tive o interesse de fazer um quadrinho, contar o meu relacionamento com ele e foi a partir dessa foto, que é a foto que encerra a história, que veio “Reparos“.
Ricardo: Então na verdade, Brão, o que que aconteceu? Você registrou mais o espírito da tua relação com o teu avô do que necessariamente o teu avô. Talvez seja o avô que tinha no teu coração, né?
Brão: Isso, isso mesmo! Tanto que eu venho anunciando que a história, ela é baseada, né? Eu alterei vários aspectos. Tanto que não tem essa ligação familiar entre os personagens. A relação de um senhor homem com uma garotinha, né? Então eu mudei vários aspectos pra que a história fluísse melhor ao meu ver.
Ricardo: Então, na verdade, a história começa num lampejo no teu coração, né? Essa série de podcast, é bacana dizer, que Brão Barbosa, num esforço de reportagem impressionante, né? (risos) Ele colheu depoimentos de vários especialistas, vários quadrinistas.
Paulinho: Sim!
Ricardo: E dispôs ao ouvinte do podcast aqui sobre os assuntos que a gente está tratando. Tem algumas pessoas que vão falar aqui pra gente como se deve começar uma HQ.
Cris Eiko: Normalmente a pessoa que começa sempre tem aquela ideia de fazer algo gigante, né? Uma graphic novel assim. “Ah, já vou começar contando aquele épico de trezentas páginas.”
Brão em off: Essa é Cris Eiko. Quadrinista e co-autora de “Quadrinhos A2” e da Graphic MSP do Penadinho ao lado do seu marido Paulo Crumbim. E autora de “Culpa“.
Cris Eiko: A gente começou fazendo quadrinhos de seis páginas pro A2.
Julia Bax: A primeira vez que eu fiz uma história, eu fiz uma história de seis páginas pra um fanzine junto com a galera que fazia aula comigo.
Brão em off: Julia Bax é autora de “Remy“, “Quina“, “Nina & Tomas” e muitos outros.
Julia Bax: Se você tem uma história de duzentas páginas, esquece essa história. Anota a ideia num papelzinho, guarda numa gaveta e esquece ela por enquanto. E começa com histórias de cinco páginas. Pra quem está começando, quem nunca fez um quadrinho, cinco páginas é bastante! Brigar ali com a composição, brigar com o desenho de cada quadro, não fugir da raia, não evitar fazer cenário… É sair da zona de conforto e fazer essas poucas páginas da melhor maneira que você conseguir. Aproveitar pra aprender porque eu acho que de todas as coisas que desenhista pode fazer, quadrinhos é a que mais puxa os limites. Porque pra você escrever uma história, você sempre vai ter que sair da zona de conforto. No meio da história vai ter alguém andando num carro e você nunca desenhou um carro, vai ter alguém batendo num dinossauro e você nunca desenhou um dinossauro… Aproveita isso! Pra aproveitar você precisa fazer uma coisa limitada alí, né? Pensa em cinco páginas, a próxima história vinte páginas, a próxima história quarenta, e assim você vai construindo confiança. E quando você chegar a fazer uma história grande, como foi essa da Nina, que é a primeira coisa grande mesmo que eu estou me envolvendo, que eu quero que tenha mil páginas, sei lá, de “Nina & Tomas” uma hora, você já vai ter confiança suficiente de você olhar um roteiro de cento e vinte páginas e falar assim: “Beleza, isso aqui vai demorar um ano e tudo bem”.
Lu Cafaggi: Se a gente olha de longe assim, uma pessoa fazendo quadrinhos, não parece que é uma coisa exaustiva. É uma pessoa sentada mexendo a mão um pouquinho só.
Brão em off: Lu Cafaggi publicou a Biografia de Bruna Vieira e ao lado do irmão Vitor, as graphics MSP da Turma da Mônica. Mas começou mesmo com a publicação independente “Mix Tape“.
Lu Cafaggi: Na nossa cabeça acontece tanta coisa, e é uma pressão tão grande. A gente conversa com umas partes muito sombrias assim da nossa cabeça enquanto a gente está ali sozinho, só dentro dela. É bem pesado. Nossa, mesmo tendo passado o dia inteiro só sentada um pouquinho assim, você está moída à noite. Parece que um caminhão passou em cima de você mesmo. Quando eu terminei o “Mix Tape“, por exemplo, eu lembro de estar muito cansada, mas o que me fez fazer o próximo foi achar que “Mix Tape” não estava bom e eu falei assim: “Não, então tá! Agora, o próximo eu vou fazer um quadrinho bom”. E foi assim com “Mix Tape“, foi assim com “Laços” também. Eu terminei as páginas pensando “Puxa vida! Isso está ruim! Nossa, gente eu tenho que provar pra todo mundo que eu mereço estar fazendo isso. Então o próximo livro eu prometo que vai ficar bonito!”
Ricardo: Você se vê um pouco nessa recomendação?
Brão: Ah, eu concordo totalmente. Porque você precisa fôlego, né? Pra terminar um quadrinho longo. Então, por exemplo, o meu primeiro que foi o “Jesus Rocks“. Eu acho que o esforço foi similar ao fazer “Reparos“, sabe? Porque é algo que você não está acostumado a fazer, é necessário uma disciplina incrível, que antes de fazer eu não tinha ideia que era necessária. Então o primeiro trabalho que eu fiz tem dezesseis páginas, mas o esforço necessário foi muito maior do que as primeiras dezesseis páginas do “Reparos“.
Lillo Parra: Quando eu sento pra escrever, eu escrevo três horas, faço uma pausa, como alguma coisa, venho e escrevo mais três horas. Eu tenho seis horas do dia que eu sento e escrevo.
Brão em off: Lillo Parra é roteirista de diversas publicações, sendo a mais recente, “La Dansarina“.
Lillo Parra: Sai, em dias bons, dez laudas. Em dias ruins, duas laudas. Independente do dia, essas dez laudas ou essas duas laudas, teve muito mais que seis horas por trás. Mas muito mais!
Ana Luiza Koehler: Fazer uma história em quadrinhos é um comprometimento.
Brão em off: Ana Luiza Koehler lançou “Beco do Rosário” depois de vários anos publicando para o mercado alemão e franco-belga.
Ana Luiza Koehler: É uma coisa assim que realmente exige bastante tempo e dedicação. Porque vai ter vários momentos em torno disso que tu não vai querer fazer, né? Não vai querer trabalhar naquele projeto, mas tu precisa completar. Tem que ter muita disciplina, eu acho. Primeira coisa, né? Então não é toda hora que a gente vai gostar de fazer, que vai ser legal não!
Paulinho: Mas Brão, quando a gente entrevista músico, a gente pergunta, né? “O que vem primeiro, a melodia ou a letra?” Agora pro Brão, o que que vem primeiro, numa criação de história em quadrinhos, no seu caso que desenha e escreve, o que vem primeiro, a arte ou o texto? Você quer chegar desenhando e a partir daí criar a história ou você vem com o roteiro fechadinho primeiro pra depois começar a desenhar?
Brão: Eu escrevo como se fosse passar pra outro desenhista fazer. Porque me conhecendo do jeito que eu conheço, eu sei que se eu deixar só subentendido ali, depois eu vou fazer algo diferente do que eu pensei na hora que eu estava escrevendo. Então eu tenho que detalhar o máximo pra que eu tenha menos elaboração na hora que eu estiver desenhando. Então eu tento descrever o máximo possível na hora do roteiro, pra que na hora do desenho eu não precise pensar tanto, a coisa vá fluindo mais naturalmente.
Paulinho: Então você descreve cenário, tudo que você espera quadro a quadro. É isso?
Brão: Eu descrevo tudo. Inclusive eu já vi roteiros de artistas que são roteiristas e o meu roteiro se assemelha bastante ao deles.
Paulinho: Entendi.
Julia Bax: Eu tento escrever como se eu não desenhasse.
Brão em off: Julia Bax novamente.
Julia Bax: Começa a partir de uma premissa, bem pequenininha, e vou desenvolvendo aumentando cada vez mais. Aí começa de uma premissa de uma frase, que seria no “Nina & Tomas” “menina que tem o braço possuído pelo ex-namorado” até criar um parágrafo, que descreve mais ou menos a história, o que que acontece naquela história, e vai aumentando até eu chegar no roteiro mesmo. Eu tenho um roteiro como se eu tivesse escrito pra um outro desenhista. O roteiro tem todos os diálogos já tudo pronto pra na hora que eu for desenhar eu já sei, “ah, ele fala isso, ou é uma piada, ou uma coisa séria, qual a expressão do personagem” e tudo mais. A hora que eu termino o roteiro eu sei que eu só vou ter que desenhar. Tem muita gente que desenha que gosta de ir desenhando e roteirizando ao mesmo tempo. Eu sinto que pode ser meio problemático, porque às vezes o que você escreveu lá na frente, afeta o que você desenhou no começo, né? Você pode ter uma ideia pro final em que você precisa inserir algum elemento no começo pra que aquilo seja usado no fim. Eu prefiro já ter tudo fechado.
Paulinho: Você já fez isso desde o “Jesus Rocks“? Por exemplo? Ou você foi aprendendo isso com o caminho?
Brão: O “Jesus Rocks” talvez tenha sido menos. Porque o texto original não é meu, né? É do Ariovaldo Jr.
Paulinho: Aham.
Brão: Acredito que naquela época eu tentei me enganar achando que na hora do desenho eu fosse ter soluções ali e tal. Mas, comigo pelo menos, não funciona assim. Se eu não tive a ideia da solução no momento que eu estou escrevendo, eu não vou ter na hora do desenho. Então eu gosto de estar com o roteiro bem redondo na hora de desenhar.
Ricardo: Olha, eu vou falar como um depoente que eu tive o privilégio de ver o roteiro ainda só letrinhas.
Brão: Exatamente.
Ricardo: Só letrinhas. Agora, eu fiquei intrigado com a tua resposta. Porque o sr. Ravid, ali no texto, ele é uma pessoa desproporcional corporeamente falando, né? Inclusive a primeira cena em que ele aparece na história ele é um monstro, ele é um gigante, ele é uma montanha, né? Então, parece que essa tua memória afetiva do teu avô era imagética, antes de você escrever. Ou estou enganado? Você tentou traduzi no roteiro o que já havia como imagem na tua cabeça, ou no teu coração e depois você retraduziu pro desenho. É fato ou ficção? (risos)
Brão: Não, é isso mesmo. Como o meu traço, ele não está muito perto do realismo, meu traço é bem cartum, ele é bem solto, vamos dizer assim, eu me dou a liberdade maior de exagerar nos aspectos que me interessam e que eu acredito que vão funcionar melhor na história. Então, o sr. Ravid, por exemplo, ele é baseado todo num espectro mais quadrado, mais truncado.
Paulinho: Mas é parecido com seu avô em algum aspecto?
Brão: Não. Fisicamente eles não se parecem não.
Paulinho: Anham.
Brão: Meu avô era bem mais franzino, bem mais frágil do que o sr. Ravid.
Ricardo: Queria que você falasse um pouco da diferença que você sentiu fazendo quadrinhos, fazendo roteiro sendo um homem feito, maduro, quase podre (risos).
Das tuas primeiras experiências como roteirista, tem a ver isso?
Brão: Ah, acredito que sim. Porque “Reparos” ele é bem diferente de “Feliz Aniversário, Minha Amada“, por exemplo, que tem um roteiro e desenhos meus também. Porque em “Feliz Aniversário“, é uma história totalmente ficcional, então…
Paulinho: Sério? Não tem nada lá…
Ricardo: Ah, conta pra nós!
Paulinho: Quem lia o livro, quem eu comentava, falava assim: “Não, o Brão deve ter algum probleminha lá, psíquico, alguma coisa escondida pra escrever uma história como essa”. (risos)
Brão: Não, eu já fui orientado excessivamente pra dizer que é totalmente ficcional.
Ricardo e Paulinho: (risos)
Brão: Mas é aí, por exemplo, “Feliz Aniversário” surgiu de uma conversa que eu estava tendo com a minha esposa.
Paulinho: Que medo disso! (risos)
Brão: Provavelmente eu tinha vacilado em algum aspecto em que nós tínhamos critérios diferentes sobre a gravidade daquilo que eu tinha feito. Eu achava que aquilo tinha uma intensidade muito menor que aquilo que ela estava dizendo.
Paulinho: Anham.
Brão: E aí surgiu da ideia assim: “carambra, ela está tão nervosa com algo que eu fiz que é tão simples… O que aconteceria se um dia ela me pegasse traindo? Ela ia me capar!” e aí eu falei: “bom, se ela fizesse isso, ela teria vários problemas judiciais. A não ser que ela conseguisse provar que ela era mais inocente que culpada”. E daí que surgiu a história.
Paulinho: Unhum.
Brão: Então foi desse lampejo de ideia e eu fui enxertando ali a história, fui elaborando a partir desses aspectos ficcionais.
Paulinho: Unhum.
Brão: Já no “Reparos” tem toda essa carga sentimental que o Ricardo comentou, e tal. Inclusive meu avô morreu num dia e ele já foi enterrado no dia seguinte. Então, a minha avó mesmo falou que queria fazer algo rápido. Então eu e meus primos que não moramos em Valadares, a gente não teve tempo de participar do velório. Então, pra mim, “Reparos” é o meu velório em relação ao meu avô.
Paulinho: Comparando o “Feliz Aniversário, Minha Amada” com o “Reparos“, você sofre o mesmo problema que o Shyamalan sofre com os filmes dele. (risos)
Brão: Olha a comparação do Paulinho… (risos)
Ricardo: Vamos lá! Estou gostando… (risos)
Paulinho: Porque assim, o Shyamalan criou aquela coisa de sempre construir roteiros e no final ter aquela explosão de cabeça e falar: “Meu Deus! E agora?” e cada filme a gente esperava essa explosão de cabeça, até que veio um filme que ele não fez essa explosão de cabeça. E você seguiu esse mesmo caminho, né? No primeiro tem um plot twist muito grande e todo mundo fica chocado. Já em “Reparos“, é uma história mais linear, mais emocional etal. Como é que foi trabalhar isso? Você se sentiu prisioneiro da primeira ideia ou trabalhou isso naturalmente?
Brão: Eu quero acreditar que não. Inclusive porque um amigo meu que foi leitor beta do roteiro, que não foi o Ricardo…
Ricardo: Não foi.
Brão: Ele leu o roteiro e não gostou. Ele meu deu o feedback que não é o “Brão que ele conhecia”. Ele falou que esperava que no final da história os personagens se mutilassem, ou que tivessem um relacionamento afetivo bizarro entre o senhor e a garotinha… Que realmente não é o que eu estava buscando com a história. Estava muito longe disso. Mas apesar desse feedback, eu acredito que a história estava cumprindo o papel que eu determinei pra ela desde o início. Então eu dei segmento, tentei fazer esse mesmo trabalho nas divulgações: “Óh, é uma história baseada no meu relacionamento com meu avô” pra tentar desvincular dessa expectativa.
Ricardo: Agora, isso tem a ver também com o fato de você ter um estilo. Você está na tua terceira obra, é o teu primeiro álbum com “A” maiúsculo, digamos assim. Mas você já tem um histórico como quadrinista. E eu aprendi que estilo é uma mistura daquilo que a gente é com aquilo que a gente quer ser, né? Com as pessoas que a gente imita. E aí no final, nosso estilo acaba brotando porque a gente não consegue ser aquilo que a gente quer ser.
Edu Medeiros: Todo mundo tem isso, né? Todo mundo que começa a desenhar quer ter um estilo, uma coisa assim.
Brão em off: Edu Medeiros é co-autor de “Mondo Urbano” ao lado de Rafael Albuquerque e Mateus Santolouco. E é autor de “Neeb“, “Open Bar“, “Sopa de Salsicha” e muitos outros.
Edu Medeiros: Durante muito tempo eu fiquei nessa nóia. Quando a gente começou a produzir o “Mondo Urbano“, os guris tinham que me segurar porque eu queria mudar de estilo a cada revista. É difícil assim, cara, acho que a parada vem com o tempo mesmo. Estilo é uma parada que tu almeja chegar num ponto, que é o que tu quer que teu desenho chegue, e teu talento chega até metade disso. E isso acaba meio que sendo teu estilo, assim, né? Tu tentar alguma coisa e tu vai até onde teu traço, teu talento vai, né? Mas eu acho que é uma coisa que vem com o tempo, assim. O que funcionou pra mim é tentar me desvincular de referência, assim. Eu fico muito maluco com referência. Eu vejo um cara novo a toda semana e eu fico: “Pô, podia desenhar assim, podia desenhar assado”. Isso às vezes dificulta, né, cara? Te atrasa, né? O que funcionou pra mim é tentar me desvincular ao máximo, sabe? Às vezes eu pego um jeito que o cara faz uma orelha, um outro jeito que o cara faz a mão e tu vai meio que formando um Frankenstein, assim, sabe? E aí, a prática daquilo faz a parada ser mais fluida. Acho que o estilo acaba vindo daí. Já foi talvez um esforço muito grande, mas não é mais assim. Eu tenho uns amigos assim que sabem desenhar, mas que não conseguiram engrenar na coisa porque ficam nessa de esperar o momento certo, aquele momento em que meu traço vai estar bombando, sabe? Vai estar estourando a tanga pra começar. Mas não funciona, sabe, cara? Tu tem que tentar fazer o melhor que tu consegue naquele momento e no próximo tu tentar sempre melhorar, assim, cara. Sabe? Não dá pra tu ficar esperando o momento pra fazer a parada. Até porque é fazendo que tu aprende, que tu melhor, que tu dá uma evoluída, sabe?
Ricardo: Como você define o teu estilo? Visto que há uma expectativa em torno do que você deveria fazer e uma realidade que é o que você oferece, que é uma história mais afetuosa, uma história mais emocional, familiar, depois de obras sanguinolentas e terríveis? Você tem um rastro, né, cara? (risos)
Brão: Eu concordo bastante com o Edu, que inclusive é uma das minhas referências como traço. As referências que eu busco no desenho, que eu me inspiro, um dos nomes é o próprio Edu, o Hiro Kawahara, o Gustavo Duarte e o Skottie Young. São traços que eu acredito que estão muito próximos daquilo que traduz até a minha própria personalidade. Eu gosto de fazer histórias que por mais, talvez, finais tristes que tenham, que sejam histórias bem-humoradas, histórias que se alinham bastante com o meu perfil. Quando eu era mais novo eu tentava fazer desenhos mais realistas e eu via que era muito truncado. Não era exatamente aquilo que eu queria passar. E eu acho que quanto mais eu fui me preocupando com a mensagem em si do desenho e menos nos aspectos estéticos “gregos e perfeccionistas”, vamos dizer assim, mais o trabalho foi me agradando, mais ele foi traduzindo com mais facilidade aquilo que eu queria passar.
Luciano Salles: O lance do meu traço foi bem natural, assim. Eu não forcei nada pra ser do jeito que é.
Brão em off: Luciano Salles é autor de “Limiar: Dark Matter“, “L’Amour: 12 oz“, “O Quarto Vivente” e “Luzcia, a Dona do Boteco“.
Luciano Salles: Eu não fico me questionando se o meu desenho é bonito. É aquele que eu tenho pra propor. Se eu quiser escrever com a letra igual a sua, eu vou ter que me forçar a escrever, porque cada uma letra. Alguém pode ter uma letra similar à outra pelo método de aprendizado de escrita, mas todo mundo tem um estilo de desenho. Aí cabe à pessoa aceitar aquilo e tentar não moldar, ou não emular um outro desenho que ele ache super legal, assim. Pô, eu acho vários traços legais, mas eu tenho que acreditar no meu traço, eu tenho que acreditar no que eu posso fazer, sabe? Por isso que se você não for sincero, você vai sofrer com isso, toda vez que você for desenhar vai ser um lamento. Eu acho que é muito mais fácil você trabalhar dentro da sua limitação, até onde você pode ir, do que sair desenhando sofrendo.
Lelis: No começo é óbvio que os traços são bem rudimentares porque você está descobrindo materiais, você está descobrindo até sua coordenação motora, a sua percepção sobre composição. Essas coisas todas vêm com o tempo, né?
Brão em off: Lelis é um quadrinista que mesmo com trabalhos lançados no Brasil e Europa, carrega muito forte em seu estilo, o sertão mineiro onde nasceu.
Lelis: Eu não consigo olhar pra uma coisa e fazer exatamente aquilo que está ali. Eu começo fazer uma coisa e já vêm outras coisas que misturam o desenho. Então o meu estilo é muito particular, né? Eu crio uns universos dessa forma, né? Eu sempre tenho fazer uma leitura, a minha leitura sobre as coisas. E isso é uma busca mesmo, né? É ter uma meta, um discurso sobre o seu trabalho, né? Sobre o que que você quer passar pras pessoas. Então, tudo isso abriga o estilo. Ou seja, é a composição, o tipo de desenho, o traço que eu faço, a cor que eu faço, tudo isso quer dizer que eu vim de uma região específica do Brasil, que na minha infância eu vi essas cores, eu via esse tipo de figuras e eu escutava as histórias que eu conto. Não as histórias reais, mas o jeito das pessoas falarem, conversarem. Por isso que eu tento transpor isso pro papel, porque eu acho importante tentar transcrever esse linguajar pro papel justamente pra você trazer pras pessoas, esses universos que às vezes elas não conhecem.
Eduardo Damasceno: Desenho é um negócio pessoal. Extremamente pessoal. É uma forma de se expor.
Brão em off: Eduardo Damasceno é co-autor, junto com Luís Felipe Garrocho de “Achados e Perdidos“, “Cosmonauta Cosmo“, das Graphics MSP Bidu e “Quiral“.
Eduardo Damasceno: O jeito que você desenha, o jeito que você escolhe desenhar, o jeito que você escolhe colocar aquelas ideias ali, contam muito de quem você é, e do que você faz, e do jeito que você pensa. Mas eu nunca vi necessidade de ter um estilo fechado. E as pessoas parecem que ficam esperando achar esse estilo pra começar a fazer quadrinho. Assim, você pode até querer um estilo um dia, mas ele vai existir se você fizer. Ele vai existir se você estiver desenhando. Ele vai existir se você estiver produzindo. Você vai chegar até ele se você estiver andando até ele. Se você estiver parando, esperando ele chegar, ele não vai aparecer nunca. Mas eu sempre gostei mais da ideia de pensar o visual pensado pro projeto que eu estou fazendo naquela hora. Então eu penso: “Ah, eu vou desenhar o “Quiral” de um jeito, vou desenhar o “Bidu” de outro jeito, vou desenhar um outro quadrinho de outro jeito ainda”. É claro que tem coisas que vão se repetir, talvez as pessoas olhem e falem: “Ah, é o desenho do Damasceno e tal”. Mas minha ideia é sempre meu desenho. Tanto que eu incorporo tudo, copio tudo, vejo um negócio que eu gosto e copio sem dó. “Ah, gostei do jeito que esse cara faz nariz, vou fazer uns narizes assim e ver como é que fica”. Tudo incorporado. Eu acho que o trabalho e o negócio é ir testando e ver o que é legal, mas eu não espero chegar num lugar específico nunca. Espero que eu nunca chegue. Se Deus quiser!
Raphael Salimena: Muito da narrativa é o desenho que conta.
Brão em off: Raphael Salimena publica suas tiras “Linha do Trem” e é autor de “St. Bastard” e “Vagabundos no Espaço“.
Raphael Salimena: Eu já vi desenhistas que têm um traço feio, que são excelentes narradores. O Arnaldo Branco é um gênio, cara. Ele fala: “Ah, não sei desenhar nada, meu desenho é uma bosta, e tal” cara, tem várias tiradas do Arnaldo que funcionam justamente por causa da tosqueira do traço. Eu fico olhando a cara daqueles personagens e eu fico rindo do desenho, falando: “cara, que genial isso”. Na época, o Leonardo, né? Amigo do Arnaldo, desenhou as tiras do Joe Pimp, que era um personagem dele, e o público falava: “ah, pô, está muito bonito o desenho, mas eu preferia com o Arnaldo desenhando. É que realmente, o que funcionava no roteiro dele, era o traço tosco. Se tem uma tira que vai me pedir um traço mais elaborado, eu vou fazer, porque é do jeito que vai funcionar melhor, mas muitas vezes o menos é mais. E muita gente que é muito virtuosa perde isso. Porque “ah, não, se eu não desenhar todos os cenários, vão falar que eu sou preguiçoso. Se eu não fizer essa luz e sombra complexa, vão falar que eu sou preguiçoso”. Aí acaba originando aqueles quadrinhos que você não consegue ler porque fica parando pra olhar demais a arte. Então eu acho legal a gente saber quando fazer a tosqueira e quando não, assim, que tem momento pra tudo.
Eduardo Damasceno: Pra mim, desenho, arte final e cor é tudo a mesma coisa. É muito frustrante quando você faz o esboço e aí depois você pára tudo pra finalizar e aí você se decepciona porque não está tão legal quanto estava o esboço. E o que eu tento é nunca sair dessa etapa, do esboço. É manter esse estado de espírito, da construção daquilo que eu estou fazendo até o final. É mais subjetivo do que realmente um negócio prático, mas eu tento manter na minha cabeça essa lógica. E aí nesse sentido não existe muito certo e errado. Tem dois critério pra mim na hora de fazer desenho e de fazer quadrinhos: um tem que contar história e o outro tem que ser bonito. Mas o “bonito” não é certo e errado. Bonito é quando conta a história. Às vezes você tem que esticar um braço pra ficar parecendo OK o desenho. Às vezes, tentar desenhar da forma mais realista possível, não é o que vai transmitir melhor a ideia. Então eu tento pensar o desenho muito nesse sentido. Não é um negócio que acontece na minha cabeça, passa pelo meu braço, pela minha mão e chega no papel. É um processo que ele é uma coisa só. O desenho que está acontecendo no papel e o que está acontecendo na minha cabeça é tudo o mesmo processo. Desenho é parte do processo de pensamento. Ele não é a conclusão de nada. E aí quando eu consigo transmitir essa ideia, ou fazer um desenho que pra mim faz sentido, me faz sentir bem, me faz sentir que eu estou chamando a pessoa que vai ver aquele desenho pra conversar comigo, aí eu estou feliz. Eu não quero que ela só veja e fale: “Nossa, que desenho bonito!” eu acho legal que aquilo passe a fazer parte do que aquela pessoa está pensando. E o que eu tento fazer com o desenho é isso: deixar o desenho naquela pessoa, mesmo depois dela ter visto.
Laudo Ferreira: A turma fica muito preocupada na identidade do traço. Eu acho que não está errado.
Brão em off: Laudo Ferreira escreveu e desenhou “Clube da Esquina“, “Yeshua“, “Cadernos de Viagem” e muitos, muitos outros quadrinhos.
Laudo Ferreira: Mas a pessoa fica tão preocupada com a forma, que esquece o conteúdo. Então, às vezes é muito mais interessante ela se preocupar no que que ela está contando, o que que ela vai contar, o que que são minhas histórias, qual que é minha pegada? E isso se estende não só pelo traço. “Ah, hoje tem muita gente fazendo quadrinho fofo, ah, eu também vou fazer”. Até acho que se tem que se permitir isso. Mas, de repente, a sua forma de pensar, a sua forma de ser como pessoa não é fofa. Então você está indo contra você. Logicamente se você vai contra o que você é, você vai fazer uma arte mentirosa.
Hiro Kawahara: Eu acredito muito que você pode ter mais de um estilo.
Brão em off: Hiro Kawahara é um experiente ilustrador. Depois de anos desenhando as lâminas do Mc Donald’s, começou como quadrinista lançando “Maravilhoso” e “Yowiya“.
Hiro Kawahara: Antigamente eu achava que não, estilo era uma coisa meio que sagrada, né? Só pode ter um estilo. E hoje já vejo que não, já vejo que dependendo do seu humor, dependendo da sua proposta, teu estilo pode ser bem diferente. Enquanto muita gente fica buscando como se ele fosse uma descoberta, né? Uma coisa definitiva, né? Uma coisa única. Aos poucos descobri que isso aí não é verdade, é o que você se identifica. Esse que todo mundo conhece é meu estilo mais comercial, mas quando tem que fazer uma coisa mais intimista, agora que eu estou fazendo quadrinhos, eu tenho procurado quebrar um pouco desse estilo pra separar um pouco da apresentação do “Hiro já conhecido pelas meninas fofinhas” e fazer uma coisa muito mais autoral. Buscar estilo é uma coisa muito pessoal que é identidade. É a minha identidade que fala que quero fazer uma coisa mais mutável. Então eu acredito que isso vai de pessoa pra pessoa. A melhor definição pra estilo é identidade, aquilo que você se identifica no momento. No momento que você se identifica com a ilustração, com um acabamento, aquilo já faz parte do seu estilo e isso vai podendo ser mudado ou não. Eu vejo ilustradores, né? Quando a gente fica procurando referência, cada vez que eu vejo uma arte que eu nunca experimentei, eu fico maluco falando “puta, eu quero tentar isso, eu quero ver”. O importante sempre vai ser a história, né? Um cara bom, que conta uma história boa, ele vai ajustar o estilo dele pra narrativa, não inverso, né? Quando você está bem coerente com a narrativa, seu estilo tem que combinar muito bem com esse fluxo. Se não chega uma hora que você tem um estranhamento. O contraste também ajuda muito pra contar a história. Eu gosto muito do “Beautiful Darkness“, aquele quadrinho que é uma história de personagens fofinhos, mas a história é muito pesada, muito macabra. Esse contraste é de propósito, então justamente o contraste fofinho com o background bem sangrento, bem opressivo ajuda a contar a história. A função da ilustração é contar coisas que não estão escritas no texto, né? Obviamente tem que ter uma simbiose muito grande entre roteiro e texto pra poder complementar as coisas, né?
Ricardo: Muito bem, senhoras e senhores, esse foi o primeiro podcast da série de cinco podcasts sobre o álbum “Reparos“, o terceiro, o novo álbum de Brão Barbosa, que você pode adquirir lá no braobarbosa.com/reparos. Eu sou Ricardo Alexandre e falamos aqui com Paulinho Degaspari e com o próprio autor Brão Barbosa, que não poderia faltar, né?
Paulinho: Que honra!
Brão: Olha que coincidência!
Ricardo: Exatamente. E na próxima semana a gente vai vir com o segundo episódio, no qual a gente vai falar sobre argumento, sobre personagens, e sobre roteiro. Vai ser uma maravilha, né?
Brão: Esperamos que sim, né?
Ricardo: Então tá bom! Então até semana que vem, voltaremos todos felizes aqui no podcast do álbum “Reparos“.