Making of de “Reparos” – 05 – Por Que Fazer Quadrinhos?
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Ricardo: Boa tarde, boa noite, bom dia! Eu sou Ricardo Alexandre e esse é o último… Ah… É o programa sobre o álbum “Reparos“, terceiro trabalho do Brão Barbosa no mundo alvissareiro dos quadrinhos e você pode comprar o seu livro no braobarbosa.com/reparos.
Brão Barbosa, tudo bem com você? Passou bem da semana passada pra essa?
Brão: Tudo bem, Ricardo. Tamo aí!
Ricardo: Paulinho Degaspari sempre presente aqui, abrilhantando com sua participação.
Paulinho: Tamo aí também.
Ricardo: Hoje a gente vai falar sobre “por que fazer quadrinhos?”, né? É uma grande pergunta, afinal estamos com um quadrinista lançando sua obra aqui com a gente.
Paulinho: Nada melhor do que falar sobre quadrinhos.
Ricardo: Não é? Minha pergunta é o seguinte: o que te levou para os quadrinhos, Brão Barbosa?
Brão: Eu desconhecia a publicação de quadrinhos com temáticas mais adultas. E eu fui descobrir isso na faculdade de design. Eu tive a grande oportunidade de ter como professor o João Marcos, que a gente já ouviu em alguns episódios anteriores. Porque na minha infância eu li Turma da Mônica, li Disney… Muito influenciado pelo meu avô, também. Eu pulei a parte dos super-heróis. É algo que não me atrai muito. E aí, quando eu estava na faculdade, o João apresentou para minha turma alguns quadrinhos com temáticas mais de cotidiano, mais adulto, e eu achei muito interessante. Aquilo me abriu um novo horizonte.
Ricardo: Você lembra de quais eram?
Brão: Era um dos quadrinhos do Gabriel Bá e do Fábio Moon. O primeiro que eu li, eu acredito que tenha sido o “Mesa Para Dois“. E eu vi ali um quadrinho, que a princípio despretensioso, mas que mesmo assim contava uma história muito legal, que não necessariamente precisava daquela purpurina toda que tem nos super-heróis. E calhou também que a minha disciplina com o João foi em 2009, ano de FIQ, nós ali perto de Belo Horizonte fomos pra lá e aquilo me encantou. E aí eu já comecei a acompanhar o trabalho de vários outros quadrinistas e contar histórias foi algo que sempre me interessou.
Ricardo: Então quer dizer… Muito interessante que a tua fagulha inicial no mundo dos quadrinhos foram os quadrinhos independentes brasileiros.
Brão: Exatamente.
Ricardo: Muito legal.
Brão: E aí, minha família no interior de Minas, sempre com o “causo” muito presente… Eu sempre gostei de contar histórias de uma forma ou de outra e sempre gostei de desenhar também. E aí quadrinhos para alinhar essas duas vontades.
Paulinho: Aí você descobriu quadrinhos, resolveu fazer quadrinhos, e descobriu que era muito trabalhoso.
Brão: E põe trabalho…
Ricardo: Não, porque tem gente que acha que o tempo que o cara demora para escrever, é o tempo que demora para ler, né? (risos)
Brão: É, exatamente! (risos)
Paulinho: Como tudo o que a gente faz que envolve arte, né? Copiar é diferente de criar. Então você gastou todo o processo a gente já viu no programa anterior, que a gente falou sobre o tempo que você gastou. Quase mil horas de processo total. Sabendo que dá todo esse trabalho, sabendo que o retorno financeiro não é…
Ricardo: Não é “lá essas coisas”… Digamos assim… (risos)
Paulinho: Não é o que vai te levar para dar a volta ao mundo… (risos)
Ricardo: Não vai. (risos)
Paulinho: Por que ainda fazer quadrinhos no Brasil, na realidade em que a gente vive?
Brão: Cara, eu gosto muito da fala do Kako, que o ilustrador, ele não tem um dom. Ele tem uma maldição. Porque ele não consegue parar.
Kako: Se você gosta de andar de bicicleta, você fica obsessivo em andar de bicicleta. Se você gosta de desenhar, você vai ficar obsessivo em desenhar. O que saiu escrito na entrevista, saiu meio “você está amaldiçoado para sempre a desenhar para o resto da vida”. Mas acontece. E muita gente se identificou, todo mundo no começo sabe desenhar, mas tem gente, como nós, que vai levando até adulto. Essa coisa de dom existe, mas não é só dom. Tem o quanto você aguenta, o quanto você se dedica, o quanto você sua para continuar com essa obsessão de desenho que vem desde criança.
Brão: E esse paralelo com quadrinhos eu acho que é verdadeiro também. É algo que está na nossa essência. Está na nossa essência como humanos de passar histórias para frente, e de criar, de fantasiar. E como você mesmo lembrou, quando eu terminei o “Feliz Aniversário“, falei que provavelmente seria o último. Agora também estou bem exausto depois de “Reparos“. Mas cara, é muito reconfortante e muito gratificante terminar um projeto desse. É muito gratificante terminar uma história. E quando você percebe que a sua história está passando pelas mãos de outras pessoas, é um sentimento indescritível, e que você não consegue de outra forma. E pra mim, os quadrinhos funcionam perfeitamente com isso aí. Conseguem alinhar as minhas pretensões, como contador de histórias. É a plataforma em que eu mais me sinto à vontade em produção.
Ricardo: Isso aí tem até um pouco a ver até com quem já liderou redações. Eu sempre que entrevistava jovens candidatos a repórteres, ou jornalistas, eu sempre perguntava “me mostra os teus textos?” e ele dizia “ah, não. Mas é que eu tô começando agora. Eu nunca tive um trabalho, nunca tive um emprego”. E eu falava “cara, mas se você precisa de um emprego para se manifestar, para transmitir para os outros aquilo que você tem dentro de você, talvez não seja a tua vocação, né?”. É como você falou, né? É uma maldição na verdade. O cara escreve porque precisa. Ou ele desenha porque precisa. De outra maneira ele seria uma pessoa incompleta.
Brão: Exatamente. E pra aspirantes a quadrinhos, cara, o conselho que a gente dá é: “não conhece. Porque se começar dificilmente vai conseguir parar. (risos)
André Diniz: Nossa, não faço a menor ideia.
Brão em off: André Diniz.
André Diniz: Não foi uma escolha no começo, continua não sendo uma escolha hoje. Eu simplesmente tenho que fazer, senão eu enlouqueço. O principal do “fazer quadrinho” pra mim é mesmo contar histórias. Tanto que eu nunca fui ali pra ilustração. O desenho pra mim é o caminho para se contar histórias. E aí eu acho que fico no quadrinho e não vou, por exemplo, pra fazer roteiro de cinema, ou acabo não indo ali por outros caminhos por essa coisa intimista do quadrinho. Você fazer ali no seu cantinho… Eu sou uma pessoa muito introspectiva…
Cris Eiko: Porque eu fiz voto de pobreza. (risos)
Brão em off: Cris Eiko.
Cris Eiko: Eu não consigo me ver fazendo mais nada. É o que eu sei fazer.
Ana Luiza Koehler: É uma compulsão. (risos)
Brão em off: Ana Luiza Koehler.
Ana Luiza Koehler: desenhar e contar história é uma coisa que é uma compulsão, que eu estaria fazendo de qualquer jeito. Nós como seres humanos nós temos necessidade de contar histórias, de produzir arte, né? De produzir cultura. A gente precisa, né? (risos)
Davi Calil: Eu decidi fazer quadrinho num ponto que eu criei coragem de começar a escrever as minhas ideias.
Brão em off: Davi Calil.
Davi Calil: E eu sempre tive muita ideia, mas eu não me sentia capaz de materializá-las. A ideia, quando está na sua cabeça, ela parece linda. Ela é genial às vezes. E daí você tenta contar pra alguém ou você começa a por ela no papel e fica uma porcaria. Às vezes eu fico com ela na cabeça por um tempão, e daí, quando eu tenho materializá-la, ela nunca tinha nem metade da força que parecia ter na minha cabeça. Quando eu comecei a conseguir escrever um pouquinho melhor as minhas ideias, transformar em palavras mesmo e reler, e lapidar aquela primeira versão, eu percebi que era um processo parecido com o desenho. Você pode fazer um esboço mais tosco e ir refinando até ele ficar melhor… E a ideia também é assim. Porque antes eu achava que a ideia tinha que ser algo meio genial. Que ou ela saía linda, ou ela era uma bosta. Depois eu vi que não. É da mesma forma que o desenho. Você começa com o esboço da sua ideia e depois vai relendo, refletindo. Então o que eu queria era materializar minhas ideias. Eu percebi que como quadrinista, eu tinha uma mídia na mão que ela possibilita que eu materialize a minha ideia e ela vira um produto finalizado, e eu posso competir de igual pra igual com uma grande editora. Agora, você vai fazer animação, cinema, teatro… Todas as outras mídias, se você não tem uma equipe e muita grana, você vai fazer um trabalho que, pela falta de equipe ou grana, vai ficar aquém.
Edu Medeiros: Eu gosto muito de desenhar, mas eu gosto de dar um sentido para a coisa.
Brão em off: Edu Medeiros.
Edu Medeiros: E contar uma história é uma parada que me agrada muito. Quadrinho é uma parada que tu pode fazer sozinho, tu decide as paradas ali e isso me agrada pra caralho.
Eduardo Damasceno: Porque eu não sei fazer mais nada! (risos)
Brão em off: Eduardo Damasceno.
Eduardo Damasceno: A gente tem umas fases ruins, né? De realmente se perguntar isso e essa pergunta vir de um lugar muito ruim de dentro da gente. De um lugar de insegurança, e de depressão mesmo. Principalmente quando a gente está produzindo. Nesses meses de produção, acho que a gente vai muito fundo no pior que tem na gente. Porque enquanto eu estou fazendo é muito triste, muito triste. Eu acho horrível. Porque eu não quero falar isso para as pessoas. Eu não sou essa pessoa que tá nesse lugar. É só porque enquanto eu estou produzindo é muito frustrante. A gente fica pensando só no tanto que aquilo não dá retorno e “por que que eu estou tendo esse trabalho todo?”, e se vai valer a pena… Então aí você entrega e vê que vale a pena, e já dá vontade de fazer o próximo.
E eu faço quadrinho por isso. Porque desenho é um negócio muito importante para mim, e desenho e quadrinhos são jeitos que pra mim, funcionam muito bem para entender o mundo, e pra conversar com o mundo. Me comunicar através de desenho e através de quadrinho é o que eu faço melhor. É como eu posso atuar melhor no mundo, como eu posso funcionar melhor com as outras pessoas. Então eu vou tentando por aí.
Gustavo Borges: Porque eu tenho o controle absoluto do mundo.
Brão em off: Gustavo Borges.
Gustavo Borges: Eu não preciso ficar dependendo de outras pessoas para o meu trabalho saia.
Julia Bax: Quadrinhos junta duas coisas que eu gosto muito.
Brão em off: Julia Bax.
Julia Bax: Uma é contar histórias e poder contar histórias de fantasia e desenhar. Junta essas duas coisas e junta essas duas coisas de uma maneira autônoma. Não tem cineasta autônomo. Não tem cineasta que fica na casa dele e faz um filme, né? Você depende de outras pessoas. Você depende de uma equipe. Assim como a animação também. É complicado você fazer uma história do tamanho do “Nina & Tomas” em animação sozinho. Você pode fazer uma história, como se fosse a história de um filme, com o budget que você quiser, de maneira autônoma, sem depender de ninguém, só com o suor do seu rosto.
Lillo Parra: Porque é divertido pra caralho!
Brão em off: Lillo Parra.
Lillo Parra: Meu primeiro sonho de infância foi ser quadrinista. A vida me provou que eu sou um péssimo desenhista. Mas eu sei escrever. É a maneira que eu mais me divirto. Depois de velho, com quarenta e tantos anos, que eu fui falar assim: “cara, que vou fazer quadrinhos”.
Marcelo Maiolo: Desde que eu me entendo por gente eu sempre quis fazer isso.
Brão em off: Marcelo Maiolo.
Marcelo Maiolo: E na hora que eu tive a oportunidade de fazer isso, eu abri mão de qualquer outra coisa e caí de cabeça! É a paixão mesmo que eu sempre tive desde que eu era moleque.
Priscila Tramontano: Olha, às vezes eu me pergunto isso.
Brão em off: Priscila Tramontano.
Priscila Tramontano: Porque é uma coisa que eu realmente gosto. É meu hobby. Mesmo quando estou lá, no Natal, minha família ceiando na sala, e eu estou trabalhando, eu estou completamente feliz. Porque é uma coisa que eu gosto de fazer. É cansativo mas é muito gratificante.
Vitor Cafaggi: Eu faço quadrinhos para retribuir o que os quadrinhos já fizeram por mim.
Brão em off: Vitor Cafaggi.
Vitor Cafaggi: Desde pequeno eu sempre li muito quadrinhos então isso foi muito importante na minha formação mesmo. Os quadrinhos sempre me deram força na hora que eu precisava, sempre foram meus companheiros, sempre me mostravam que eu podia ser quem eu era. Sempre mostraram que se eu tentasse mais eu ia conseguir aquilo que eu queria. Várias lições que eu tive, vários valores que eu aprendi foram com os quadrinhos. E hoje eu tento fazer quadrinhos para que essas histórias que eu faço, tenham importância para outras pessoas igual as histórias que eu li quando era criança tiveram pra mim.
Samanta Flôor: Porque a gente é masoquista? Não sei…
Brão em off: Samanta Flôor.
Samanta Flôor: É difícil, é trabalhoso, não tem retorno financeiro nenhum, mas a gente se diverte fazendo!
Zé Wellington: Nos meus dois últimos álbuns eu falei muito sobre coisas que eu acredito.
Brão em off: Zé Wellington.
Zé Wellington: Sobre ideologias políticas. Tudo isso estava muito presente em “Quem Matou João Ninguém?“, que era um álbum que falava sobre uma comunidade pobre. Como as pessoas imaginam justiça nessa comunidade. E em “Steampunk Ladies” não foi diferente. Resolvi falar sobre representatividade feminina sendo o homem, que é muito difícil.
Eu não sou muito o cara de ir em uma manifestação, não sou muito cara de uma discussão acalorada. Sou muito tímido e muito na minha, né? Então assim, quando eu quero defender um ponto de vista, quando eu quero falar sobre outra coisa que eu acredito, eu normalmente uso a arte pra isso. E é muito forte, é muito maior do que eu. Não consigo segurar isso dentro de mim.
Raphael Fernandes: Porque eu não consigo viver sem quadrinhos.
Brão em off: Raphael Fernandes.
Raphael Fernandes: Eu posso contar histórias de uma maneira complexa, e que eu não preciso estar presente. Então eu conto a história e alguém pode ler ela daqui a 20 anos e ser tocado por ela, ou ficar com raiva dela, ou ser provocado por ela. Essa imortalidade através da arte sempre me interessou. Eu sempre quis escrever por causa disso. Eu faço quadrinhos para tentar deixar um pouco das minhas ideias, ou das minhas provocações para as pessoas.
E para tirar os demônios de dentro de mim, claro, né?! Porque quem escreve, quem é criativo, tem um demônio lá que fica o tempo todo inventando coisas falando: “produza, produza, produza!”
Paulinho: Não esqueça de compartilhar esse programa com seus amigos que gostam de quadrinhos também. Isso é legal para conhecerem o trabalho, ouvir os depoimentos de tantas pessoas que participaram aqui durante esses programas.
Ricardo: É verdade! As quais, a gente agradece bastante também. Coisas muito interessantes e muito inteligentes foram ditas aqui.
Brão: Muito obrigado a você que chegou até aqui. Como a gente vem falando em todos os programas, acesse braobarbosa.com/reparos, que você vai ter acesso à edição física, à edição digital e todo o material complementar a esse projeto que eu fiz com tanto carinho.
Muito obrigado e até mais!